Deuxieme


terça-feira, novembro 21, 2006

Robert Altman (1925-2006)

O dissidente perpétuo de Hollywood

O Oscar Honorário deste ano assentou-lhe que nem uma luva numa edição repleta de filmes política e socialmente comprometidos e polémicos. Faleceu ontem num hospital de Los Angeles, curiosamente num ano de reconhecimento à sua carreira de distinto rebelde capaz de enfrentar os estúdios, desafiar os limites da narrativa convencional, ameaçar exilar-se se Bush Jr. fosse reeleito e, de passagem, criar um universo próprio e um olhar único e singular. Basta recordar dois dos filmes dos Oscar deste ano, Colisão ou Syriana, para reparar que vão beber ao estilo do realizador de Kansas City.

Nascido precisamente em Kansas City em 1925 no seio de uma família católica, nos anos que seguem à Segunda Guerra Mundial, Robert Altman inicia-se no ofício na realização de filmes industriais para uma produtora local. No início dos anos 60, converte-se num dos mais prolíficos realizadores de televisão, destacando-se entre um grupo de novos cineastas treinados no pequeno ecrã que será conhecido como a Geração da TV, e em que encontramos nomes como Arthur Penn, Sidney Lumet (Oscar Honorário o ano passado), Sam Peckinpah e Sydney Pollack. Altman desenvolveu o seu estilo particular num grande número de séries, entre as quais se destacam Bonanza e Alfred Hitchcock Apresenta, ganhando a reputação (que o acompanharia durante toda a sua carreira) de realizador irritável, rebelde e incapaz de filmar uma história sem nela integrar um comentário ácido ao tema que versa. Pilotou um B-24 na Segunda Guerra Mundial e bombardeou as convenções industriais e estéticas da velha Hollywood. Os filmes de Robert Altman são o seu reflexo fiel: irreverentes, iconoclastas, independentes até à medula, arrogantes, impulsivos, excessivos. Realizador com uma carreira cheia de desencontros com a indústria, em que convivem êxitos como M.A.S.H. (1970), ainda hoje o seu maior sucesso de bilheteira e ao qual acedeu depois de 14 realizadores recusarem o projecto, e fracassos retumbantes como Popeye (1980), Altman é reconhecido como um dos cineastas norte-americanos mais importantes do último quarto do século XX.


O Velho da Nova Hollywood
Embora a sua idade o integrasse na Geração da TV, a sua atitude e posicionamento fazem de Altman um dos membros mais ilustres, e ao mesmo tempo mais modernistas, da fornada de jovens realizadores que, entre 1968 e 1975, quiseram reinventar Hollywood. Gente como Mike Nichols, William Friedkin, Francis Ford Coppola, Peter Bogdanovich e Martin Scorsese, puseram a indústria de mãos ao alto. Altman arrancou este período com M.A.S.H., a sua quarta longa-metragem e a sua primeira nomeação aos Oscar como realizador, em que se cristalizam todas as constantes do seu estilo: a multiplicação e fragmentação das linhas dramáticas, a confiança cega na improvisação, o encadeamento de diálogos e a saturação de personagens, esta última uma autêntica marca de autor de Altman, e pela qual foi inicialmente criticado.
Não contente com reinventar os géneros industriais (o western em A Noite Fez-se para Amar, 1971 e o cinema negro com O Imenso Adeus, 1973), Altman partiu do seu estilo para criar um género próprio com Nashville (1975), o seu primeiro mosaico coral, com o qual fecha esta primeira fértil etapa e com o qual conquistou a segunda nomeação ao Oscar.

Segunda juventude
Do tudo ao nada. Ou quase. Altman e a Nova Hollywood foram arrasados pela cultura do blockbuster, pelo cinema de multiplex e pipocas que surgiu após sucessos como Tubarão (1975) e Guerra das Estrelas (1977). O cineasta tentou integrar-se ao novo modelo com o seu filme mais estranho, Popeye, a sua excêntrica visão do que deveria ser um filme Disney. Porém, o seu monumental fracasso de bilheteira afastou-o da agenda dos estúdios durante a década de 80, anos em que continuou a trabalhar em longas-metragens muito mais pequenas e, claro, livres e independentes. Foi só em 1992 que a sua genialidade regressou em pleno com O Jogador, uma caústica sátira baseada no romance de Michael Tolkin sobre a indústria cinematográfica, uma oportunidade que Altman aproveita para satirizar os que o afastaram do negócio. Um negócio ao qual regressa, mas do qual se sente cada vez mais distante, já que, segundo ele, ir ao cinema assemelha-se agora a ir a um enorme parque de atracções. E isso é a morte do cinema. Mas, paradoxalmente, é durante estes anos, os 90, que a indústria reconhece as virtudes de Altman como cineasta. Mais três nomeações como realizador (além de O Jogador, ainda foi designado pelo majestoso Short Cuts – Os Americanos e pela pérola Gosford Park) em nove anos para um total de sete nomeações, duas como produtor, sem nenhuma estatueta como recompensa.

Negócios pendentes
Se há algo de que Altman não precisava era de recompensas. Por um lado porque ainda não se achava velho demais para lhe fazerem homenagens, já que continuava envolvido em polémicas. Em Berlim, este ano foi apresentado o seu último filme, A Prairie Home Companion recentemente estreado em Portugal, que é um olhar sobre a decadência dos famosos programas de rádio, realizados ao vivo e o mundo do espectáculo, com o qual teve de enfrentar as companhias de seguros que, pela sua idade e alguma incapacidade, o obrigaram a rodar com um realizador de substituição, Paul Thomas Anderson, no set, embora de facto muito bem acompanhado. Robert Altman, foi um cineasta rebelde e comprometido que fez luvas para uma indústria que vende sapatos ou mesmo que dizer que passou a vida a dar pérolas a porcos.

2 Comments:

Blogger João Bizarro said...

Um MESTRE que deixa o cinema mais pobre.

22 de novembro de 2006 às 11:06  
Anonymous Anónimo said...

Robert Altman foi um dos mavericks de Hollywood e a sua obra é disso retrato. "Short-cuts" essa adaptação ao cinema dos contos do genial Raymond Carver é disso exemplo, mas a sua obra está dividida entre os filmes de estrelas ou as obras intimistas e de baixo orçamento. Basta recordar esses movies já esquecidos e que fizeram as delícias dos espectadores: "A Noite Fez-se para Amar" versus "Kansas City"; "Um Casamento" versus "Quinteto"; "Nashville" versus "Três Mulheres"; "Um Casamento" versus "Volta Para Mim Jimmy Dean". Cineasta americano olhando sempre as raízes do seu continente e os géneros cinematográficos, teve em "Gosford Park" um dos mais belos filmes do cinema europeu ou não fosse ele "O Jogador" que Hollywood temia.

4 de dezembro de 2006 às 16:50  

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