INGMAR BERGMAN (1918-2007)
O HOMEM DA LANTERNA MÁGICA
Por José Vieira MENDES
Um dos maiores artistas de todos os tempos e um marco na história de cinema faleceu hoje aos 89 anos, na sua residência na ilha de Faaro, Gotland na Suécia, e com ele morre uma boa parte da nossa cinefilia. Corriam há já alguns tempos rumores sobre a degradação do estado de saúde do ‘mestre’ Bergman, que nasceu em Uppsala, a 14 de Julho de 1918, e que não estreava um filme desde Saraband (2003), uma obra que remete para outra das suas grandes referências do passado, Cenas da Vida Conjugal (1973), que realizou para a televisão. Foi indiscutivelmente um dos grandes autores do século XX, que marcou muitos realizadores, entre eles Robert Altman, Andrey Tarkovski, e principalmente Woody Allen, que o descreveu numa homenagem sentida, aquando o seu 70º Aniversário como ‘provavelmente o maior artista do cinema, desde a invenção da câmara de filmar’. Mas Bergman foi ainda um realizador que influenciou, uma geração de cinéfilos, criando quase que um novo adjectivo: bergmaniano, isto quando nos referimos a situações de conflito interior e culpa, transcedência e humanidade, inquietações e contradições, no que diz respeito ao amor e à sexualidade algo reprimida.
Filho de um pastor protestante sueco e de mãe belga, a sua pesada educação religiosa, acabará por influenciar toda a sua obra posterior extensa que atravessa além do cinema o teatro, a ópera e as realizações para televisão. O seu nome ganhou notoridade na década de 50 com o extraordinário êxito de três filmes: Sorrisos de uma Noite de Verão, O Séptimo Selo, e Morangos Silvestres, que o transformaram numa espécie de autor de culto na Europa e citado nos EUA.
A obra de Bergman pode ser dividida aparentemente em duas fases. A primeira iniciada com Crise (1945), onde adapta uma peça dinamarquesa e cujo o herói, como em todos os seus filmes desta fase, é uma espécie de de alter-ego disfarçado do autor, e que através do protagonista exprime apreensões, ansiedades, aversões e aspirações pessoais. É nesta fase ainda de pesquisa e de afirmação de uma personalidade como autor, que se pode já dectectar uma outra temática claramente bergmaniana, a sexualidade, as relações amorosas e o erotismo, influenciada também pelas sólidas raízes da cultura nórdica, do teatro onde Bergman se iniciou e de dramaturgos como Ibsen ou August Strindberg (o autor que curiosamente deu origem ao filme de Olhos Bem Fechados de Stanley Kubrick, que tem também algo de begmaniano). O primeiro filme realmente importante de Bergman chama-se Sede, (1950) uma história muito simples, mas ao mesmo tempo complexa sobre a fugacidade dos amores juvenis, sobre o efémero da felicidade e sobre, a por vezes dolorosa passagem da juventude à idade adulta. Sobre a mesma temática é também Mónica e o Desejo (1953), onde desponta a sensualidade (e sexualidade) de uma das suas musas, Harriet Andersson, que esteve há pouco tempo em Lisboa, e a quem a Cinemateca Portuguesa dedicou um pequeno ciclo. E ainda na mesma temática da sexualidade juvenil, encontramos, Um Verão de Amor, estreado em 1951.
A partir daqui as duas temáticas entrecruzam-se, por um lado uma vertente mais reflexiva, introspectiva sobre o sentido da vida e a metafísica, a outra mais mundana, cáustica, e subtil sobre uma certa incomunicabilidade do amor, da sexualidade e das relações entre cônjuges. É graças a um Prémio do Júri, em 1955, no Festival de Cannes, com o magnífico Sorrisos de Uma Noite de Verão, que Bergman atinge a consagração internacional permitindo-lhe avançar com um projecto que há muito vinha acalentando: O Sétimo Selo (1957), uma angustiante alegoria sobre a vida e a morte, numa espécie de revisitação do mito de Fausto. É curiosamente esta obra que impôe na cena internacional um fantástico lote de actores: Max von Sydow, Bibi Andersson e Gunnel Lindblom.
É também o brilhante êxito de O Sétimo Selo, que permite a Bergman avançar, entre outras, para uma obra incontornável, intitulada Morangos Silvestres (1957), com o veterano realizador sueco Victor Sjostrom promovido a actor principal e num filme sobre a terna entrada na velhice, onde o autor recorre mais uma vez às memórias da sua infância.
Um período aparentemente mais austero e com o realizador a viver já na ilha de Faaro, em meados da década de 60, coincide com a rodagem de A Máscara (1965), um filme psicanalítico, onde o realizador se vai reunir a outra das suas musas, a actriz norueguesa Liv Ullmann, além de Bibi Andersson. Em 1970 o realizador não resiste a rodar em língua inglesa em O Amante, e apesar das notáveis interpretações de Bibi Andersson, e Elliot Gould, o filme revelou-se um fracasso comercial. Pelo contrário Lágrimas e Suspiros (1973), um filme sobre uma mulher em estado terminal e o comportamento das suas irmãs é um Bergman soberbo.
Rapidamente Bergman percebeu o impacto da televisão e já em 1969 realizara O Ritual para o pequeno ecrâ. Em 1973 decide filmar os seis episódios de Cenas da Vida Conjugal, (da qual faz uma versão para cinema de cerca de três horas), sobre alguns aspectos trágicos e rídiculos de um casamento tradicional que teve grande impacto na geração de 60, geração essa que assume as primeiras crise, as primeiras separações conjugais e divórcios judiciais, até então reprimidos socialmente, nas sociedades ocidentais. E ainda nesta faze que é preciso não esquecer a admirável produção televisiva de A Flauta Mágica.
Em 1976 um escândalo fiscal, leva Bergman a exilar-se em Munique na Alemanha, onde realiza um claustrofóbico O Ovo da Serpente, que é uma ambiciosa reconstituição da cidade de Berlim no pós-guerra e mais tarde Da Vida das Marionetes (1980), onde exprime o sentimento de impotência e fracasso do individuo face à sociedade capitalista. Em Sonata de Outono (1978), oferece a Ingrid Bergman um dos seus mais emblemáticos e últimos papéis, reencarnado uma ambiciosa pianista que se confronta com a filha interpretada por Liv Ullmann. Em 1982, Bergman regressa com Fanny e Alexandre, que apresenta já quase como que a sua última criação para o grande ecrâ. Depois de Fanny e Alexandre em 1982, Bergman tem-se dedicado com entusiasmo principalmente à televisão, à encenação teatral e operática com uma lembrança para a versão As Três Irmãs, de Tchekov, que vimos em Lisboa há quase uma década no Teatro D. Maria II, com Liv Ullmann. No cinema estreou ainda Infiel (2000) que passou no Festival de Cannes, e aqui em Portugal algo, discretamente e Saraband, onde experimentou os recursos da 'alta definição', com Liv Ullman e Erland Josephson, dois dos seus 'actores fétiches', que retomaram, com o inevitável envelhecimento e contexto, os seus papéis anteriores de Cenas da Vida Conjugal. Na sua autobiografia Lanterna Mágica (1988, ed. Port. Caravela, trad. Alexandre Pastor), Bergman reune um conjunto de escritos em saltos cronológicos sucessivos, onde se encontram anotações, recordações de infância, sonhos e episódios da sua vida aparentemente soltos. No início está uma lanterna mágica que Bergman trocou com o irmão, ao preço de meia dúzia de soldadinhos de chumbo.
A obra de Bergman pode ser dividida aparentemente em duas fases. A primeira iniciada com Crise (1945), onde adapta uma peça dinamarquesa e cujo o herói, como em todos os seus filmes desta fase, é uma espécie de de alter-ego disfarçado do autor, e que através do protagonista exprime apreensões, ansiedades, aversões e aspirações pessoais. É nesta fase ainda de pesquisa e de afirmação de uma personalidade como autor, que se pode já dectectar uma outra temática claramente bergmaniana, a sexualidade, as relações amorosas e o erotismo, influenciada também pelas sólidas raízes da cultura nórdica, do teatro onde Bergman se iniciou e de dramaturgos como Ibsen ou August Strindberg (o autor que curiosamente deu origem ao filme de Olhos Bem Fechados de Stanley Kubrick, que tem também algo de begmaniano). O primeiro filme realmente importante de Bergman chama-se Sede, (1950) uma história muito simples, mas ao mesmo tempo complexa sobre a fugacidade dos amores juvenis, sobre o efémero da felicidade e sobre, a por vezes dolorosa passagem da juventude à idade adulta. Sobre a mesma temática é também Mónica e o Desejo (1953), onde desponta a sensualidade (e sexualidade) de uma das suas musas, Harriet Andersson, que esteve há pouco tempo em Lisboa, e a quem a Cinemateca Portuguesa dedicou um pequeno ciclo. E ainda na mesma temática da sexualidade juvenil, encontramos, Um Verão de Amor, estreado em 1951.
A partir daqui as duas temáticas entrecruzam-se, por um lado uma vertente mais reflexiva, introspectiva sobre o sentido da vida e a metafísica, a outra mais mundana, cáustica, e subtil sobre uma certa incomunicabilidade do amor, da sexualidade e das relações entre cônjuges. É graças a um Prémio do Júri, em 1955, no Festival de Cannes, com o magnífico Sorrisos de Uma Noite de Verão, que Bergman atinge a consagração internacional permitindo-lhe avançar com um projecto que há muito vinha acalentando: O Sétimo Selo (1957), uma angustiante alegoria sobre a vida e a morte, numa espécie de revisitação do mito de Fausto. É curiosamente esta obra que impôe na cena internacional um fantástico lote de actores: Max von Sydow, Bibi Andersson e Gunnel Lindblom.
É também o brilhante êxito de O Sétimo Selo, que permite a Bergman avançar, entre outras, para uma obra incontornável, intitulada Morangos Silvestres (1957), com o veterano realizador sueco Victor Sjostrom promovido a actor principal e num filme sobre a terna entrada na velhice, onde o autor recorre mais uma vez às memórias da sua infância.
Um período aparentemente mais austero e com o realizador a viver já na ilha de Faaro, em meados da década de 60, coincide com a rodagem de A Máscara (1965), um filme psicanalítico, onde o realizador se vai reunir a outra das suas musas, a actriz norueguesa Liv Ullmann, além de Bibi Andersson. Em 1970 o realizador não resiste a rodar em língua inglesa em O Amante, e apesar das notáveis interpretações de Bibi Andersson, e Elliot Gould, o filme revelou-se um fracasso comercial. Pelo contrário Lágrimas e Suspiros (1973), um filme sobre uma mulher em estado terminal e o comportamento das suas irmãs é um Bergman soberbo.
Rapidamente Bergman percebeu o impacto da televisão e já em 1969 realizara O Ritual para o pequeno ecrâ. Em 1973 decide filmar os seis episódios de Cenas da Vida Conjugal, (da qual faz uma versão para cinema de cerca de três horas), sobre alguns aspectos trágicos e rídiculos de um casamento tradicional que teve grande impacto na geração de 60, geração essa que assume as primeiras crise, as primeiras separações conjugais e divórcios judiciais, até então reprimidos socialmente, nas sociedades ocidentais. E ainda nesta faze que é preciso não esquecer a admirável produção televisiva de A Flauta Mágica.
Em 1976 um escândalo fiscal, leva Bergman a exilar-se em Munique na Alemanha, onde realiza um claustrofóbico O Ovo da Serpente, que é uma ambiciosa reconstituição da cidade de Berlim no pós-guerra e mais tarde Da Vida das Marionetes (1980), onde exprime o sentimento de impotência e fracasso do individuo face à sociedade capitalista. Em Sonata de Outono (1978), oferece a Ingrid Bergman um dos seus mais emblemáticos e últimos papéis, reencarnado uma ambiciosa pianista que se confronta com a filha interpretada por Liv Ullmann. Em 1982, Bergman regressa com Fanny e Alexandre, que apresenta já quase como que a sua última criação para o grande ecrâ. Depois de Fanny e Alexandre em 1982, Bergman tem-se dedicado com entusiasmo principalmente à televisão, à encenação teatral e operática com uma lembrança para a versão As Três Irmãs, de Tchekov, que vimos em Lisboa há quase uma década no Teatro D. Maria II, com Liv Ullmann. No cinema estreou ainda Infiel (2000) que passou no Festival de Cannes, e aqui em Portugal algo, discretamente e Saraband, onde experimentou os recursos da 'alta definição', com Liv Ullman e Erland Josephson, dois dos seus 'actores fétiches', que retomaram, com o inevitável envelhecimento e contexto, os seus papéis anteriores de Cenas da Vida Conjugal. Na sua autobiografia Lanterna Mágica (1988, ed. Port. Caravela, trad. Alexandre Pastor), Bergman reune um conjunto de escritos em saltos cronológicos sucessivos, onde se encontram anotações, recordações de infância, sonhos e episódios da sua vida aparentemente soltos. No início está uma lanterna mágica que Bergman trocou com o irmão, ao preço de meia dúzia de soldadinhos de chumbo.
3 Comments:
Se a memória não me atraiçoa, penso que é em ‘Manhattan’ que Woody Allen se passeia por uma rua de Nova Iorque com Mariel Hemingway, Diane Keaton e Michael Murphy. O casal Keaton/Murphy vai atirando nomes para o ar de pessoas que deviam ganhar prémios, não pelo seu incrível talento, mas pela falta dele. Quando um deles diz Ingmar Bergman, Isaac Davis (a personagem de Allen) responde: Bergman? Bergman is the only genious in cinema today, I think. Uma homenagem tão simples e tão directa… Palavras para quê? Hoje o cinema ficou mais pobre.
Ora, e visto que Fellini, Truffaut, Rosselini, Kubrick, Tarkovsky, Leone, Welles e Hitchcock já bateram a bota faz agora vários anos...
... eu arriscaria dizer que morreu aquele que era o melhor realizador vivo.
Penso que agora o dono dessa categoria passou a ser o Lynch. Digo eu, claro.
Eu voto no Godard. Que já era o maior mesmo com Begman vivo.
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