"BODY RICE" de Hugo Vieira da Silva
3:: De um ponto para o outro
Agora, a mesma pergunta, ao contrário: e como é que um tipo larga o sol de Portugal e mete-se a viver em Berlim? “Numa fase inicial vivi um pouco entre os dois países e agora tenho estado mais em Berlim. Mas uma coisa muito interessante nisto é eu poder-me distanciar-me do sítio de onde sou.” E contudo, não são as personagens de “Body Rice” um pouco o espelho inverso dessa deslocação? “Um filme tem sempre a ver com a pessoa que o faz. Mas eu não gosto muito dessa visão psicanalítica. O que eu espero é que o filme sobreviva por si mesmo."
Acrescenta: “No entanto, essa ideia de uma pessoa se afastar de um sítio e pensá-lo, acho muito interessante, porque a deslocação permite viver uma perspectiva muito diferente. Se tu estiveres muito próximo de algo, isso parece-te uma coisa, mas se te afastares, parece outra. Não estou a dizer qual é a verdade, há é perspectivas diferentes. Acho que tenho espírito de permanentemente saltar de ponto de vista e poder ver à frente como atrás e, claro, a minha vida também tem um pouco a ver com isso: um incómodo meu de viver com uma coisa, sempre.”
Não esquecer: Hugo Vieira da Silva é igualmente advogado. E garante que na Alemanha descobriu uma produção delirante de normas jurídicas. “É o país que eu conheço onde há mais regras para tudo, mas isso provoca precisamente o contrário. O contrário é uma atitude reactiva, sendo Berlim a cidade que ainda tem, ou mantém, mais punks na Europa: uma sociedade civil permanentemente inquieta.” O efeito é claro, da Alemanha resulta o país onde as pessoas mais viajam para fora, segundo ele. “E há inclusive uma palavra em alemão que designa aqueles que saem: ‘aussteiger’, que são os que saem de dentro para fora, saindo de uma norma para outra que seria directamente o inverso. Acho que há uma necessidade de fuga. Mas o engraçado é que por vezes eles reconstroem no território inverso uma outra série de normas.”
No fundo, o que seduziu Hugo Vieira da Silva e o levou a “Body Rice” foi tentar perceber coisas tão simples “como uma pessoa a passar de um ponto para o outro.” Da Alemanha para Portugal, do Porto para Berlim, será que importa, verdadeiramente, o sentido? Essencialmente, o que o preocupa “é pôr em causa a concepção de corpo, ultrapassar a ideia de um corpo romântico, pensar como é possível o corpo existir por outras vias.” E introduzir ruído, distúrbio, desorganização. Por palavras suas: “criar problemas às pessoas, obrigá-las a pôr questões a si próprias sobre o que é um filme e o que é a vida.”
Então, o que é “Body Rice”? Uma coreografia da desolação e da aridez humana? Um exercício de pós-estética cinematográfica? Um filme punk? “Punk? Talvez.”
“É a minha forma de sentir o mundo. Aquele local e aquela situação são muito visíveis, saltam à vista. Penso que as pessoas, os corpos que agem, desviando-se das coisas, perdendo aos poucos o sentido de moral ou de família, e até mesmo de orientação sexual, são características do meu tempo. Um sentir do tempo presente.”
1 Comments:
Talvez seja dos poucos que o tenha feito, mas li as 3 partes na íntegra. Gostei do que li. Não vi o filme, nem sei se terei oportunidade. Contudo, gostei de um parágrafo do 1º post:
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Como assim? “Eu quero fazer um filme de que eu goste, não é?” Certo. “E há alguns filmes no cinema que eu gosto e há outros que não me interessam nada.” De acordo. Logo? “Não me interessava a narrativa tal como é entendida nos cânones de argumento: essa questão da causa-efeito. Acho que as coisas podem ter outra lógica hoje em dia e que essa forma de narrar corresponde a um tempo que já não é o meu. A fórmula canônica do cinema de narrar é qualquer coisa tem que ver com um tempo, um sentido mitológico, uma narrativa, um sentido quase freudiano de causa-efeito, darwinista. No cinema interessa-me fazer qualquer coisa que tenha que ver comigo e com o tempo em que eu vivo, com este momento presente.”
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Cumprimentos
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