Deuxieme


terça-feira, fevereiro 13, 2007

TERRENCE MALICK: UMA LENDA VIVA








O nome de Malick não é de forma nenhuma familiar a não ser para os ‘cinéfilos pesados’, e para todos aqueles que fazem quase um culto a este realizador irreprenssível e controverso, que deixou já marcas na história do cinema. Vale pois a pena, fixar este nome: Terrence Malick! E de facto, não é por acaso que Terrence Malick é o único realizador da actualidade que João Bénard da Costa, não hesitou em programar dois filmes, um deles, O Novo Mundo (2006), — o outro A Barreira Invisível (1998) — que fecha, bem a propósito, o fabuloso ciclo Como O Cinema Era Belo. A fama de Malick, é de tal maneira indescrítivel, que as maiores estrelas de Hollywood, não deixam de filmar com ele, mesmo pequenos papéis e com um cachet muito abaixo do habitual. Por exemplo, George Clooney e John Travolta, que fizeram pequenas participações em A Barreira Invisível e Adrian Brody, que vê o seu personagem simplesmente ‘desaparecer’ na montagem final, confessam ter sido uma honra estar no casting do filme, que é para muitos o melhor filme ‘sobre a guerra’, de sempre. Para os actores mais consagrados, a sua participação, significa ter o prazer de trabalhar com este realizador sexagenário, que curiosamente só dirigiu quatro filmes em toda a sua carreira e que normalmente tem muitos problemas com os estúdios, pois demora muito mais que o tempo útil para acabar uma obra que nos deixa sempre ‘esmagados’ e a pensar.

UM ‘BICHO-DO-MATO’.
Além disso, Malick, é mesmo, no verdadeiro sentido da palavra, ‘um bicho-do-mato’, já que se recusa a dar entrevistas, odeia estar à frente das câmaras, ser fotografado, e tem uma especial devoção pela natureza no seu explendor. Há pois, pormenores na sua carreira (e na vida privada) que o tornaram num mito, e um mistério mal resolvido no cinema contemporâneo norte-americano, e ainda bem já que os seus filmes não são para todos e normalmente não resultam muito nas tabelas de bilheteira oficiais. Quando o seu penúltimo filme, A Barreira Invisível obteve seis nomeações para os Oscar 1999, — inclusive a de Melhor Filme e Melhor Realizador — , Malick não esteve presente na cerimónia da Academia. O filme acabou por ganhar apenas um Oscar por Melhor Argumento Adaptado, e ao palco para receber a estatueta subiram apenas três dos quatro argumentistas. No fundo, em ecrã apareceu uma velha fotografia de Malick, datada de 1978, quando o realizador dirigia Os Dias do Paraíso, — Prémio de Realização no Festival de Cannes — que tinha curiosamente três jovens protagonistas Richard Gere, Sam Shepard e Broke Adams, que cruzavam o amor nos campos de trigo do interior da América. Na altura da apresentação dos produtores candidatos a Melhor Filme, a situação foi ainda mais caricata, quando para identificar o realizador foi mostrada uma fotografia das habituais cadeiras de lona, onde nas costas tinha simplesmente escrito: Malick.

UMA PERSONALIDADE MISTÉRIO
Terrence Malick nasceu em Waco no Texas, estudou filosofia em Harvard, foi repórter das revistas Life, New Yorker, e Newsweek e professor de Filosofia no M.I.T., antes de se tornar cineasta e produtor independente. As suas influências parecem pois estar relacionadas com a filosofia, primeiro com Wittgenstein, com os pintores realistas Hopper e Wyth, os documentários de Flaherty e o expressionismo de Murnau. O seu primeiro filme Badlands-Noivos Sangrentos, (1973), foi uma das estreias mais promissoras da história do cinema. Trata-se de um road movie ambientado nos anos 50, contando a história de um jovem casal em fuga, após um crime. Tinha como protagonistas Kit (Martin Sheen) e Holly (Sissy Spacek), e o realizador parece fugir à tentativa corrente do cinema de dar uma explicação linear e uma condenação imediata para o comportamento violento dos jovens fugitivos, e a sua ausência de valores morais. O filme concentra-se mais na sua solidão e alienação num mundo de valores que parecem querer contrariar. Em A Barreira Invisível, o seu terceiro filme, rodado em 1998, tem o grande mérito de abordar um tema da II Guerra Mundial, a batalha de Guadalcanal e dos soldados norte-americanos que nela participaram, através de um relato pessoal de um deles, numa perspectiva bastante mais interessante, do que os habituais filmes do género. Utililizando a voz-off, uma das caracteristicas dos filmes de Malick, vai relatadando a sangrenta batalha, e as reflexões internas dos personagens, com uma interacção visual entre soldados, nativos e um impressionante cenário natural, valorizadas por uma extraordinária direcção de fotografia. Mais uma vez Malick afasta-se do relato históricamente fiel, para se centrar num conceito filosófico e em Heidegger, outro dos seus filósofos favoritos e que defende a ideia de uma realidade moldada através da luta e do conflito.

UM FILÓSOFO DA IMAGEM
As personagens de A Barreira Invisível debatem-se com questões essenciais como ‘ de onde vem esta guerra? Donde vêm toda esta violência?’, não como uma justificação para os seus actos, mas antes por uma necessidade intríseca de todo o ser humano de se questionar, sobre algo e sobre a realidade. Com o mítico realizador estiveram mais uma vez um grupo actores de luxo, alguns deles fazendo quase de figurantes: Sean Penn, Nick Nolte, James Caviezel, John Cusack, Woody Harrelson, John C. Reilly, Ben Chaplin, entre outros.
Se Stanley Kubrick se tornou uma lenda pelo seu rigor e minúcia na suas opções estéticas e linguagem, Malick é um génio no improviso, já que é capaz de escolher um local de rodagem, um cenário, mudar um argumento no momento ou mesmo eliminar personagens na montagem final — como aconteceu em A Barreira Invisível —, guiado por uma intuição e um instinto para além do normal, que parece mesmo agradar aos grandes actores, pouco dados a alterações de última hora. Uma visão idealista da natureza e o choque de civilizações é o tema base do seu último filme que fecha com chave de ouro o ciclo Como o Cinema Era Belo, embora os filmes de Malick continuem e continuarão a ser certamente alguns dos mais belos da história do cinema.

A NATUREZA NO SEU EXPLENDOR
O Novo Mundo é um regresso ao tema que inspirou, Pocahontas (1995) o filme da Disney, que resume as aventuras dos primeiros colonos americanos e a sua relação com os indígenas, circunscrita à história de amor entre o capitão John Smith (Colin Farrel) e a jovem india (Qórianka Kilcher). O ‘filme operático’ foi rodado em formato 65 mm — não se utilizava desde Hamlet (1996), de Kenneth Branagh — o que significa que é uma obra com uma deslumbrante resolução nas imagens, planos-sequência espectaculares com uma iluminação natural e sem a utilização de luz artificial, demonstando mais uma vez uma apetência e uma devoção do realizador pela natureza vista como uma espécie de paraíso perdido que o homem incompreensivelmente vai alterarando a seu belo prazer e sem respeito pela sua essência. As figuras femininas dos seus filmes como que representam a pureza dessa natureza-mãe e por isso são sempre as mais castigadas por um final quase sempre trágico e demolidor. Apesar de toda a aparente improvisação, a linguagem cinematográfica e cada plano dos filmes de Malick representam quase um verdadeiro ensaio de filosofia das imagens. Resumindo, Terrence Malick é um realizador cujos os filmes podem ser caracterizados como constantes reavaliações da percepção corrente de conceitos cinematográficos como a imagem, o som, as personagens e a narrativa, suportados sempre por um olhar único onde a natureza desempenha um papel fundamental e crucial, iludindo qualquer tentativa de interpretação imediata, de uma obra visualmente e filosoficamente rica, que quase se assemelha ao 'espectáculo total'.

José Vieira Mendes

10 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A primeira palavra que me ocorre para descrevê-lo é génio, as outras duas são grande génio. Ainda não vi tudo o que este senhor já fez (uma noite, graças ao serviço público da RTP, descobri que o Badlands tinha começado às 3 da madrugada…), mas tendo em conta O Novo Mundo e A Barreira Invisível, a única questão que se coloca é onde é que ele pára com tantos anos de intervalo? Talvez sentado a uma secretária a preparar as pérolas que nos tem dado. Como ele, há poucos.

14 de fevereiro de 2007 às 13:17  
Blogger Touro Zentado said...

Não tenho, escrita, a capacidade que este senhor tem no cinema.
Só posso mesmo deixar-lhe a minha vénia.
Irrepreensível.

15 de fevereiro de 2007 às 00:28  
Blogger João Bizarro said...

Um génio da 7ª arte.

15 de fevereiro de 2007 às 11:13  
Anonymous Anónimo said...

Ricardo said...

A primeira vez que vi um filme de Terrence Malick fiquei impressionado. "Noivos Sangrentos", um título (mais um) pouco feliz da nossa língua, mostrou-me um imberbe Martin Sheen e uma assombrosa Sissy Spacek. Apesar de ser posterior a Bonnie & Clyde, o filme, que também tem um jovem casal a empreender a viagem das suas vidas/mortes, é um verdadeiro tesouro.

Confesso que daí para cá apenas vi em "Barreira Invisível" a guerra como nunca ninguém a filmou. "Novo Mundo" não tive oportunidade de ver, mas, perdida a possibilidade de vê-lo no grande écran, fá-lo-ei um dia deste no pequeno.

O único senão de Malick - é isso que o torna único entre os seus pares - é o facto de apenas presentear o público quando entende que o deve fazer e não por imposições de terceiros.

O realizador não está na minha mão cheia de autores de eleição, mas é um dos mais interessantes.

16 de fevereiro de 2007 às 11:20  
Blogger MCo. said...

parece ser bem.

http://www.newscentermco.blogspot.com/

17 de fevereiro de 2007 às 22:30  
Anonymous Anónimo said...

Um génio sem dúvida. Os seus filmes uma a r t e

19 de fevereiro de 2007 às 23:45  
Blogger Francisco Toscano Silva said...

Olá Zé! O artigo do Malick está soberbo, sem dúvida falamos de um realizador com uma noção gigante de cinema enquanto viagem pessoal, enquanto arte da verdade e da ilusão em simultâneo. Foi um prazer rever O NOVO MUNDO no ciclo COMO O CINEMA ERA BELO, onde foi o último filme a ser exibido. João Benard da Costa disse e com toda a razão: "este ciclo termina com a sua chave mais secreta".

Cumprimentos.

21 de fevereiro de 2007 às 11:25  
Blogger Isabel said...

Fiquei deveras encantada com o filme O Novo Mundo, há muito que não via um filme diferente, com riqueza na sua simpliciade. Hajam mais filmes assim, Sr. Malick!
Cumprimentos, Isabel Fernandes

21 de fevereiro de 2007 às 18:17  
Anonymous Anónimo said...

Após perguntarem numa entrevista aos multifacetados realizadores Spielberg, Coppola, G. Lucas e Ridley Scott qual seria para eles o melhor realizador vivo, todos respoderam o mesmo - Martin Scorsese. O engraçado é que fizeram a mesma pergunta a Scorsese e contaram-lhe o que tinham dito os outros. Ao que ele responde com humildade:
- Não me acho o melhor. Nem por sombras. Para mim o melhor realizador vivo é o Terrence Malick.
Quem somos nós para duvidar da palavra do mestre?

23 de fevereiro de 2007 às 03:53  
Blogger vfialho said...

é so para dizer que A Barreira Invisivel nao ganhou nenhum oscar. como pode ter visto o sr jose vieira mendes tres argumentistas no palco se apenas Malick o escreveu!???essa está boa.foi Bill Condon quem recebeu a estatueta por Deuses e Monstros!

4 de março de 2007 às 18:08  

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