VIVA ROSSELLINI!
‘Na história do cinema, todos os caminhos vão dar a Roma Cidade Aberta’
Jean-Luc Godard
Uma viagem ao universo de Roberto Rossellini é a principal proposta da Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema para Fevereiro e Março com a projecção integral da obra do realizador, uma obra repleta de confirmações, contradições e revelações. Rossellini foi acima de tudo um homem sempre à frente, cujos os filmes estiveram no centro de algumas revoluções estéticas, mas que nunca se deixou limitar por correntes artíticas ou ideologias políticas. Depois da trilogia da guerra — Roma Cidade Aberta (1945), Libertação (1946) e Alemanha Ano Zero (1948), com Stromboli (1950), afastou-se definitivamente, não sem algum escândalo, do neorealismo e mais tarde do próprio cinema. Por razões comerciais e estéticas vira-se para a televisão pública onde passou os últimos anos da sua carreira a fazer teledramáticos históricos: A Tomada do Poder por Luis XIV (1967), Socrates (1970), Pascal (1971). Apesar de ser também um homem bem adaptado às circustâncias contam-se ainda os seus primeiros filmes ao serviço da propaganda fascista, na qual parece ter aprendido muito: As coisas estão lá para quê manipulá-las, é preciso é revelá-las, dizia o realizador marcado por um cinema cheio de contradições, ao mesmo tempo materialista e metafísico, profano e religioso, positivista e impressionista. Centrando-nos em apenas dois filmes, Roma Cidade Aberta (1945) e Viagem a Itália, são eles que estão no centro das revoluções estéticas lançadas por Rossellini. Roma Cidade Aberta, assume-se como um manifesto do cinema do pós-guerra, feito na rua e fora dos habituais estúdios: um cinema pobre, rodado em cenários naturais e nas ruas em ruínas e pouco iluminadas, com som directo e uma mistura revolucionária no elenco: actores carismáticos, como Aldo Fabrizi (o padre) e a ainda jovem Ana Magnani (a heroína que morre a meio do filme, numa das cenas mais inesquecíveis da história do cinema) e não actores para melhor recriar e registar a realidade. Depois veio o encontro amoroso com Ingrid Bergman em Stromboli (1950) um filme com um raro sentido documental e de tónica existencialista como aliás Europa 51 (1951). Se Roma Cidade Aberta rompeu com o cinema tradicional feito em estúdio, Viagem a Itália, é o momento da criação do ‘cinema moderno’, centrado num casal de ingleses (George Sanders e Ingrid Bergman) em crise conjugal no contexto das paisagens do Sul e em particular nas ruínas de Pompeia (em outra fabulosa cena dos amantes de lava abraçados para a eternidade), onde o realizador questiona a incomunicabilidade, a interioridade a contradição dos sentimentos até ao milagre real e ao milagre do amor e da reconciliação, onde culmina a simples história. Com Viagem a Itália, os gestos simples, as histórias insignificantes e as personagewns complexas tornam-se essência e lançam as bases do cinema moderno. E que seria de Godard, Straub, Jean Rouch, Pasolini ou mesmo Pedro Costa sem este Viagem a Itália? Feito o luto por Bergmam, Rosselini regressa ao seu cinema primeiro com o documental India (1958) e com O General della Rovere, com Vittorio di Sica, que se fartou de apanhar da crítica. Quando parecia que estava sossegado, conformado e com o génio esgotado eis que se vira para aos teledramáticos históricos até quase à sua morte em 1977.
A acompanhar o Ciclo Roberto Rossellini e o Cinema Revelador, há um catálogo que é uma verdadeira ‘bíblia rosselliniana’, onde figuram alguns dos maiores especialistas da obra do cineasta, tanto em artigos originais escritos a propósito, quer em artigos já publicados na época ou posteriormente. É o caso de Pio Baldelli, Sandro Bernardi, Tag Gallagher — um dos maiores biógrafos de Rossellini — , Alain Bergala e Adriano Aprá. Outra parte fundamental deste catálogo é antológica, desde um texto fundador da nouvelle vague e da crítica rosseliana, Lettre sur Rossellini, de Jacques Rivette, publicado nos Cahiers do Cinema em 1955, entrevistas ao realizador feitas em várias épocas, a carta de Rossellini a Ingrid Bergman, a introdução ao livro de Rossellini sobre Karl Marx. Para além de muitos textos do realizador, outra secção importante é a que recorda a sua visita a Portugal em 1973, com artigos da revista Cinéfilo e uma entrevista ao Expresso, feita por Helena Vaz da Silva. Um livro indispensável.
José VIEIRA MENDES
1 Comments:
Rosselini marca claramente um ponto de viragem na história do cinema, com repercussões que podemos ver ainda hoje (o próprio Scorsese, por exemplo, reconhece-o no documentário por si recentemente lançado). Acho que o neo-realismo encontra neste realizador o seu expoente máximo. É de todos o melhor. Gostava de ter visto o Roma Cidade Aberta na Cinemateca, mas já passou… Agora só indo à Fnac, e dar 22 euros pelo DVD.
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