Deuxieme


sábado, março 31, 2007

“Brava Dança”: ÓPERA DOS JOVENS BÁRBAROS


“Brava Dança”, realizado por José Pinheiro (um dos mais prolíficos autores de videoclips em Portugal) e Jorge Pereirinha Pires (jornalista, escritor e tradutor), é o documentário que evoca a memória e a carreira da intransponível banda dos anos 80: Heróis do Mar. Desde 8 de Março nas salas, tem vindo a gerar ondas de nostalgia sobre um dos casos extintos da música pop nacional. Na Premiere de Janeiro falámos com a dupla de realizadores sobre a aventura deste projecto. Tratamos agora de recuperar as suas palavras integrais, numa entrevista que durante os próximos dias revelaremos em duas partes neste blog. Porque eles estavam lá durante esses dias. Porque eles viram tudo acontecer. Eles que recriaram, através das imagens que restaram, a banda sonora de uma época. A época dos Heróis do Mar. Bravos que puseram um país a dançar.

1 :: A POLÉMICA, A MEMÓRIA E A IMPORTÂNCIA DO REGISTO

A ideia deste documentário partiu do momento em que o Jorge Pereirinha Pires, depois de ter feito um livro sobre os Madredeus, vai a casa do Pedro Ayres Magalhães e vê uma colecção de recortes de imprensa dos Heróis do Mar. E o que era para ser um livro, transforma-se numa revisitação cinematográfica feita de imagens. Contudo, porquê agora e porquê uma banda como os Heróis do Mar?

Jorge P. Pires: Não foi agora, o filme é que ficou pronto agora. A primeira versão que nós temos escrita é de 2000, há seis anos atrás. Porquê os Heróis do Mar? Porque os Heróis do Mar são um caso singular que nos permite, por um lado, analisar uma série de aspectos que se podem chamar mais “gerais” sobre a relação da arte com a indústria ou sobre certos aspectos da cultura pop. Por outro lado, são um caso singular na medida em que nos permitem abordar e analisar aspectos mais específicos que são propriamente relacionados com este pais e este local onde estamos. Por exemplo, um dos aspectos singulares é o facto deles sendo herdeiros de uma tradição de guerrilha, de extrema-esquerda, que é o caldo cultural do pós-25 de Abril, serem acusados de direitistas quando aparecem, portanto, isso aí até nos leva a certas questões sobre a linguagem: a linguagem visual, o simbolismo, o modo como o simbolismo é ou não interpretado socialmente. Mas voltando ao país, podemos lembrar que quando apareceram as primeiras bandas de skin-heads no fim dos anos 1980, não houve reacção nenhuma e ninguém lhes chamou direitistas sequer. Portanto, as pessoas ficaram chocadas com alguns palavrões que vinham nas letras, mas a questão politica não foi dissecada e se calhar era mais relevante nessa altura do que no tempo dos Heróis do Mar.

Mas o que foi que verdadeiramente criou mediatismo em torno da banda?

J.P.P.: O que criou mediatismo foi a reacção dos media na altura, porque os Heróis do Mar, e uma série de outra gente, vinham de uma tradição de contra-cultura. Há referências literárias, há referências visuais, cinematográficas: isso então era um mundo. Nas referências cinematográficas de contra-cultura podemos ir buscar os filmes holandeses do [Paul] Verhoeven nos anos 1970: “As Delícias Turcas” (1973) e coisas desse género. Havia uma série de referências de cultura alternativa dos anos 1970, o fundo de onde aparecem os Heróis do Mar, embora também outras bandas como os GNR do princípio e etc.

Um dos momentos mais interessantes do documentário acontece quando sabemos que os Heróis do Mar nascem da leitura inspirada de uma História de Portugal de Oliveira Martins, que deixava um pouco em aberto a sua interpretação. De facto, numa época que parecia negar o passado histórico português, os Heróis do Mar aceitam-na, subvertem-na e reinventam um novo Portugal.

J.P.P.: Sim, mas o passado que eles vão buscar é um passado mítico, não é propriamente um passado histórico. Eles vão buscar o passado da glória e é isso que mais choca as pessoas. Na altura, não havia glória nenhuma. Eles vão recuperar um ambiente mítico que é um ambiente mais geral, digamos, e fazem uma espécie de peça de teatro. Os anos 1970 são a década das óperas-rock e é bom não esquecermos isso. Os álbuns mais conceptuais eram coisas que, de uma forma geral, eram óperas-rock ou eram uma espécie de filmes sem imagem, os álbuns eram uma viagem. Ninguém estava muito interessado, na altura, em canções avulsas como hoje em dia. Um disco nos anos 1970 era uma obra como um livro ou um filme, uma coisa estruturada com princípio, meio e fim, e a encenação dos Heróis do Mar também tem que ser entendida por esse lado.

Há um problema clássico de memória na sociedade portuguesa. Este documentário é uma forma de dizer que a memoria é vital para a criação, e até reinvenção, de uma identidade?

J.P.P.: Sim, sem dúvida. Esse problema da memória prendeu-se também com a vertente artística do nosso trabalho, o facto de um certo registo da arte ser uma actividade das pessoas que andam a recolher o pó dos outros para depois fazer qualquer coisa com isso ou oferecer uma reinterpretação. Há uma frase do Wittgenstein: “o trabalho do filosofo é reunir memórias para um determinado fim.” Também foi isso que fizemos e depois oferecemos uma interpretação, ou seja, a independência da visão que nós propomos também se pode medir pelo facto deste processo todo que foi bastante longo nunca ter estado ligado a editoras discográficas, nem termos tido qualquer tipo de apoio.

José Pinheiro: É importante referir a tradição do registo. É importante registarmos hoje o que está acontecer com o fim de registar, apenas e só, para permitir depois uma possível utilização no futuro. Isto não era tradição no nosso país, é lógico que com a tecnologia em que hoje estamos imbuídos isso é muito mais fácil. Acidentalmente, as pessoas estão a registar o quotidiano: em casa, com as webcams, a quantidade de televisões, etc., e há alguma evolução na sociedade que contribui para isso. Na altura, não, ao lançarmo-nos numa aventura destas sabíamos que havia um enorme dose de risco porque íamo-nos deparar com essa falta de tradição.

J.P.P.: Este filme é sobre o tempo e até, se calhar, esse é o próprio fundo do filme, daquilo que nós fizemos com a história.

David Mariano

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