U2, OLIVEIRA E A VIDA DIFÍCIL DE UM REPÓRTER (6)
A madrugada de domingo foi muito especial aqui em Cannes. Foi o dia das comemorações do 60º Aniversário, e como surpresa os U2 subiram a passadeira vermelha e tocaram do alto da escadaria do Auditório Lumière, para uma multidão que enchia completamente todos os espaços em volta do Palácio dos Festivais. Era cerca da 1 da manhã e antes mesmo da estreia mundial de U2 3D, o filme de Catherine Owens e Mark Pellington, que começou muito atrasado, tal era a dificuldade das viaturas do Festival circularem na Croisette. Cá em baixo na passadeira vermelha e quase junto ao público estavam entre outros, a Maria de Medeiros, e o actor espanhol Javier Bardem, acabado de sair da estreia de gala do seu No Country for a Old Man, e que não parou de dançar e cantar os temas dos U2. A multidão acompanhou, e eu próprio não resisti a um dos momentos mais vibrantes nestes oito anos de cobertura do Festival de Cannes. Uma hora antes da apresentação, quando me preparava para juntar à multidão e esperar pelo concerto, cruzei-me com o ‘mestre’ Manoel de Oliveira, que no meio da barafunda passeava sozinho e tranquilamente pela Croisette, com os seus quase 99 anos de idade. Tinha acabado de jantar e ia em direcção ao Hotel Majestic Barriére, onde está hospedado. Troquei umas impressões com ele sobre o ambiente e tirá-mos uma fotografia juntos, que ficará para o meu album de recordações. Mesmo com a noitada, às oito da manhã já estava no Auditório Lumiére, o maior de todos, — cerca de 3000 lugares — para assistir à sessão de imprensa de Chacun son Cinema, o filme-aniversário, onde o mestre Oliveira assina um dos mais inspirados e divertidos segmentos, centrado num possivel encontro entre Krutchov (Michel Picolli) e o papa João XXIII (João Bernard da Costa), em versao cinema mudo. Além do segmento de Oliveira há a destacar ainda as curtas de Walter Salles, Nanni Moretti, David Cronenberg, Roman Polansky e a dos Irmãos Cohen, num prolongamento de No Country For a Old Man, que são entre as muitas as que mais agradaram na generalidade. Corro o risco de me faltar alguns dos mais interessantes segmentos de 3’, deste filme colectivo, mas resta-me a satisfação de que o Festival vai desponibilizar uma edição em DVD, a partir do próximo dia 25. Já agora, depois de tanta folia convém falar um pouco dos filmes em competição com destaque para Import/Export, do realizador austríaco Ulrich Seidl (Dog Days, 2001), que assina um um duro ensaio sobre o trabalho, a sexualidade, a velhice, morte e ideia de que neste mundo de hoje é muitas vezes necessário cerrar os dentes para encontrar forças para continuar. Trata-se de uma obra de excepção que pode constituir também uma grande surpresa, nesta selecção e no palmarés.
Para quem não acredita que a vida do repórter não é fácil em Cannes, dou-vos apenas um exemplo do programa de hoje, onde há as inevitáveis sobreposições. O dia começa com Paradise Park de Gus van Saint, segue-se A Mighty Heart, de Michael Winterbottom, com Angelina Jolie, depois Lumiere Silencieuse, do insólito Carlos Reygadas, Go Go Tales, uma estreia na comedia de Abel Ferrara, e Death Proof de Quentin Tarantino. Pelo meio está progamada A Lição de Música , com Howard Shore, acompanhado por David Cronenberg e Boxes, o documentário de Jane Birkin, de homenagem ao Festival.
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