AFINAL QUE É O CRISWELL?
Do fundo do seu caixão o Criswell revela um pouco da sua vida eterna e faz o 'elogio fúnebre' da PREMIERE. Reproduzimos aqui a mensagem escrita no blogue Há Vida em Markl....mas não tirem conclusões precipitadas, porque o vosso Mestre é imortal e vai continuar 'vivo' por aqui, por enquanto, até encontrar uma nova morada eterna.
Ainda não tinha falado aqui da Premiere...
... o que é injusto, porque foi das grandes honras da minha carreira ter sido convidado para integrar a equipa inaugural da versão portuguesa da Premiere, revista que - nas suas edições francesa e americana - contribuiram muito, desde os meus anos imberbes, para que eu gostasse tanto como gosto de cinema. Tenho mesmo pena que ela termine. Há uma maldição no que toca às revistas de cinema em Portugal: são raras as que duram muito tempo. Ainda assim, a Premiere portuguesa teve uma carreira magnífica e lutou até ao fim para se manter viva. Talvez esteja, então, na altura de revelar de uma vez por todas qual a minha relação com a secção Os Dias de Criswell, assunto que tanto burburinho, rumor, comentário e especulação provocou ao longo de vários anos: sim, eu fui o Criswell durante alguns anos da Premiere (mais concretamente desde a fundação até há cerca de dois ou três anos, altura em que decidi deixar a revista por clara falta de tempo - e também porque estava cansado de escrever profissionalmente sobre cinema). Mas o Criswell nunca foi uma obra de um homem só: eu "criei" o boneco - que, na verdade, foi roubado aos filmes do Ed Wood - a partir do desafio do José Vieira Mendes, director da revista, de criar uma secção apresentada não por um crítico ou um jornalista, mas por uma personagem, como acontece na edição espanhola da revista, a Fotogramas, ou como a Libby Gelman-Waxner na versão americana, crítica de cinema fictícia inventada pelo argumentista Paul Rudnick. Pareceu-me gira a ideia de ir buscar a personagem mais improvável - o vidente místico que salta dos caixões, nos filmes do "pior realizador do mundo" - para a tarefa de comentar o estado do cinema em Portugal e no mundo e mandar as devidas alfinetadazinhas a quem as merece. Nunca foi uma personagem exactamente anónima - a ideia não era ser "o Nuno Markl escondido no anonimato". O Criswell era a voz da redacção, e as dicas para a criação de cada mês d' Os Dias de Criswell vinham das mais variadas pessoas da equipa (lembro-me que muitos conteúdos foram sugeridos pelo próprio Zé Vieira Mendes e também pelo Rui Pedro Tendinha e o Luis Salvado). Outras dicas - muitas - vinham dos leitores, com quem começou a haver uma química muito interessante envolvendo o Criswell. Eu funcionava como a argamassa da coisa, a garantia de que o tom do Criswell era consistente, viessem as ideias para aquelas páginas de quem viessem. Dava-me muito gozo aglutinar todas as dicas e pesquisar todos os meses para criar Os Dias de Criswell e foi com pena que, há uns anos, tive de passar a personagem a outros escribas - que, há que dizê-lo, seguiram o livro de estilo Criswelliano com grande categoria e a quem presto a minha homenagem. Sei, por exemplo, que na parte das respostas do Criswell aos leitores, o meu caro amigo Jorge Mourinha fez um trabalho exemplar e muitíssimo superior ao meu de pesquisa e de escrita de respostas completíssimas aos leitores. Nunca é demais elogiar o Mourinha, e não é só porque ele é visita habitual aqui do estaminé: para mim, ele é dos grandes críticos de cinema portugueses da actualidade, profundo conhecedor do mais diverso cinema, capaz de convencer o mais céptico a descobrir o cinema mais alternativo e sem preconceitos nenhuns que o impeçam de celebrar os méritos do bom entretenimento popular. Nesta altura de encerramento da Premiere, tenho de lhe prestar homenagem por ter segurado as rédeas Criswellianas na parte das respostas aos leitores da maneira como o fez.
Seria giro pensar que o Criswell possa ter tido em leitores mais novos o efeito que as Premieres francesa e americana tiveram em mim, quando comecei a lê-las, nos fins dos anos 80... A gente esforçou-se para que ele trouxesse o Cinema a toda a gente.
Em nome próprio escrevi também toneladas de críticas nas páginas da Premiere, quando ainda me dava gozo fazê-lo profissionalmente. Hoje mantenho o respeito pelos bons críticos de cinema que há neste país, mas não me consigo imaginar a voltar a essa vida, a não ser nas observações que faço aqui no blog sobre os filmes que vejo. Gosto de cinema, gosto de falar sobre cinema, mas cansei-me de gostar profissionalmente de filmes, de os ver a pensar naquilo que teria de escrever sobre eles dentro do prazo, e a defini-los em número de estrelinhas. Decisivo, para mim, foi ter falado um dia com o meu falecido compincha de crítica cinematográfica, o grande Manuel Pereira: poucas semanas antes dele morrer, encontrei-o no supermercado do El Corte Inglés, e dizia-me ele que estava a descobrir as delícias de ver cinema sem a pressão de ter de escrever sobre os filmes, com prazos, com estrelinhas em mente, tomando notas na sala escura. Achei que ele tinha razão. Escrever sobre filmes é bom, não ser pressionado a fazê-lo é, para mim, ainda melhor. Até porque há muita gente que percebe muito mais sobre eles do que eu!
Seja como for, fazer parte da Premiere foi das melhores coisas da minha vida, e por isso aqui fica a homenagem a quem aguentou o barco, quer em águas calmas quer em águas revoltas durante todos estes anos. Um abraço à equipa e ao director, o José Vieira Mendes... e que a Revista de Cinema descanse em paz.
Ainda não tinha falado aqui da Premiere...
... o que é injusto, porque foi das grandes honras da minha carreira ter sido convidado para integrar a equipa inaugural da versão portuguesa da Premiere, revista que - nas suas edições francesa e americana - contribuiram muito, desde os meus anos imberbes, para que eu gostasse tanto como gosto de cinema. Tenho mesmo pena que ela termine. Há uma maldição no que toca às revistas de cinema em Portugal: são raras as que duram muito tempo. Ainda assim, a Premiere portuguesa teve uma carreira magnífica e lutou até ao fim para se manter viva. Talvez esteja, então, na altura de revelar de uma vez por todas qual a minha relação com a secção Os Dias de Criswell, assunto que tanto burburinho, rumor, comentário e especulação provocou ao longo de vários anos: sim, eu fui o Criswell durante alguns anos da Premiere (mais concretamente desde a fundação até há cerca de dois ou três anos, altura em que decidi deixar a revista por clara falta de tempo - e também porque estava cansado de escrever profissionalmente sobre cinema). Mas o Criswell nunca foi uma obra de um homem só: eu "criei" o boneco - que, na verdade, foi roubado aos filmes do Ed Wood - a partir do desafio do José Vieira Mendes, director da revista, de criar uma secção apresentada não por um crítico ou um jornalista, mas por uma personagem, como acontece na edição espanhola da revista, a Fotogramas, ou como a Libby Gelman-Waxner na versão americana, crítica de cinema fictícia inventada pelo argumentista Paul Rudnick. Pareceu-me gira a ideia de ir buscar a personagem mais improvável - o vidente místico que salta dos caixões, nos filmes do "pior realizador do mundo" - para a tarefa de comentar o estado do cinema em Portugal e no mundo e mandar as devidas alfinetadazinhas a quem as merece. Nunca foi uma personagem exactamente anónima - a ideia não era ser "o Nuno Markl escondido no anonimato". O Criswell era a voz da redacção, e as dicas para a criação de cada mês d' Os Dias de Criswell vinham das mais variadas pessoas da equipa (lembro-me que muitos conteúdos foram sugeridos pelo próprio Zé Vieira Mendes e também pelo Rui Pedro Tendinha e o Luis Salvado). Outras dicas - muitas - vinham dos leitores, com quem começou a haver uma química muito interessante envolvendo o Criswell. Eu funcionava como a argamassa da coisa, a garantia de que o tom do Criswell era consistente, viessem as ideias para aquelas páginas de quem viessem. Dava-me muito gozo aglutinar todas as dicas e pesquisar todos os meses para criar Os Dias de Criswell e foi com pena que, há uns anos, tive de passar a personagem a outros escribas - que, há que dizê-lo, seguiram o livro de estilo Criswelliano com grande categoria e a quem presto a minha homenagem. Sei, por exemplo, que na parte das respostas do Criswell aos leitores, o meu caro amigo Jorge Mourinha fez um trabalho exemplar e muitíssimo superior ao meu de pesquisa e de escrita de respostas completíssimas aos leitores. Nunca é demais elogiar o Mourinha, e não é só porque ele é visita habitual aqui do estaminé: para mim, ele é dos grandes críticos de cinema portugueses da actualidade, profundo conhecedor do mais diverso cinema, capaz de convencer o mais céptico a descobrir o cinema mais alternativo e sem preconceitos nenhuns que o impeçam de celebrar os méritos do bom entretenimento popular. Nesta altura de encerramento da Premiere, tenho de lhe prestar homenagem por ter segurado as rédeas Criswellianas na parte das respostas aos leitores da maneira como o fez.
Seria giro pensar que o Criswell possa ter tido em leitores mais novos o efeito que as Premieres francesa e americana tiveram em mim, quando comecei a lê-las, nos fins dos anos 80... A gente esforçou-se para que ele trouxesse o Cinema a toda a gente.
Em nome próprio escrevi também toneladas de críticas nas páginas da Premiere, quando ainda me dava gozo fazê-lo profissionalmente. Hoje mantenho o respeito pelos bons críticos de cinema que há neste país, mas não me consigo imaginar a voltar a essa vida, a não ser nas observações que faço aqui no blog sobre os filmes que vejo. Gosto de cinema, gosto de falar sobre cinema, mas cansei-me de gostar profissionalmente de filmes, de os ver a pensar naquilo que teria de escrever sobre eles dentro do prazo, e a defini-los em número de estrelinhas. Decisivo, para mim, foi ter falado um dia com o meu falecido compincha de crítica cinematográfica, o grande Manuel Pereira: poucas semanas antes dele morrer, encontrei-o no supermercado do El Corte Inglés, e dizia-me ele que estava a descobrir as delícias de ver cinema sem a pressão de ter de escrever sobre os filmes, com prazos, com estrelinhas em mente, tomando notas na sala escura. Achei que ele tinha razão. Escrever sobre filmes é bom, não ser pressionado a fazê-lo é, para mim, ainda melhor. Até porque há muita gente que percebe muito mais sobre eles do que eu!
Seja como for, fazer parte da Premiere foi das melhores coisas da minha vida, e por isso aqui fica a homenagem a quem aguentou o barco, quer em águas calmas quer em águas revoltas durante todos estes anos. Um abraço à equipa e ao director, o José Vieira Mendes... e que a Revista de Cinema descanse em paz.
2 Comments:
Grande Markl!
Grande Markl. Já tinha lido isto no seu blog.
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