Quase tudo o que um filme deve ser.

Gosto deste tipo de filmes. Daqueles que nos fazem sair da sala de cinema com um sorriso nos lábios mas que, a caminho de casa, nos levam a pensar Espera lá, aquela parte se calhar não era para rir, aquele era um assunto sério. A forma subliminar como Mike Nichols nos conduz através de Jogos de Poder, é qualquer coisa absolutamente assombrosa. Reconheço não precisar dum twist ao nível de Os Suspeitos do Costume para me sentir um autêntico fantoche nas mãos de um cineasta. Aquilo que acontece em Jogos de Poder serve perfeitamente.
E, o que acontece na obra de Mike Nichols? Bom, tendo em conta que o filme tem hora e meia, muita coisa. O filme começa com aquele lugar comum do homem agraciado com um qualquer prémio, com a câmara a dirigir-se para um grande plano, como que a dizer ao espectador, Vamos lá a visitar o passado. Ora, esta não é a maneira mais entusiasta de se entrar num filme. Por esta altura, quem já viu mais de meia dúzia de películas, estará a pensar Bolas, mais um tearjerker e eu deixei os lenços em casa.
Aquilo que devemos manter sempre presente ao ver este filme é que este é um título de Mike Nichols. Não de Tom Hanks, não de Julia Roberts, não de Philip Seymour Hoffman, nem de Aaron Sorkin (que, a propósito, escreveu um belíssimo argumento). Isto é Mike Nichols, do princípio ao fim. E, o homem aproveitou a fita que lhe deram para se divertir à brava. Assim que se dá o fade out na cena em que viajamos no tempo, percebemos que este filme pertence a uma outra liga.
Aqui, fala-se a sério a brincar. Tratam-se de assuntos do mundo dos adultos, com discursos de iletrados. Dizem-se verdades, partindo do principio que todos estão a mentir. Sem rodeios, até porque receio perder-me em elogios sem nunca descrever verdadeiramente o filme, esta é a história de um homem que derruba o Comunismo com um copo de Whisky numa mão e cinco mulheres a beijarem-lhe a outra. Charlie Wilson (um Tom Hanks que nos faz esquecer alguém que vestiu a sua pele em O Código Da Vinci), é, aparentemente, o homem com menos princípios e valores à face da Terra. No entanto, imprevistos ditam que se confronte com a invasão da Rússia no Afeganistão. Aí, percebemos que, por detrás daqueles óculos à anos oitenta, esconde-se um homem da ética, da moral, e dos direitos humanos. É nessa altura que entra em jogo Joanne Herring (Julia Roberts no seu melhor papel desde Erin Brokovich), a sexta mulher mais rica do estado do Texas, e que vê na Religião a solução para os problemas nos Oriente, e Gust Avrakotos (um Seymour Hoffman que vale cada cêntimo do bilhete), a personagem que complementa na perfeição a de Charlie Wilson.
Os três juntos partem para a resolução do conflito armado no Afeganistão. O único ponto de vista em comum é o de que a guerra não leva a lado nenhum. Fora isso, é cada um por si. Nichols retrata a divergência entre os povos de forma magistral, e satiriza com uma sofisticação arrepiante os pântanos em que se movem os líderes do mundo actual.
A cereja no topo do bolo será mesmo a ausência de qualquer tomada de posição, por parte de Jogos de Poder. Algumas criticas ao filme, que caracterizam a obra de Nichols como sendo mais do mesmo, e aquilo a que Hollywood já nos habituou ao longo dos tempos, sobre o anti-americanismo, já foram lidas. No entanto, também as há que defendem estarmos perante o típico filme que enaltece o espírito heróico dos americanos. A meu ver, aqui, não temos nem uma coisa, nem outra. Melhor, temos as duas. E, ao sairmos da sala, cada um optará pela sua perspectiva. Um pouco como a esquerda e a direita. Agora, para rir um bom bocado, e para reflectir outro tanto, Jogos de Poder é o filme a escolher.
Ainda a procissão vai no adro, é certo, contudo, estamos na primeira semana do ano e parece que já só restam nove filmes para a lista dos melhores de 2008. Por falar nisso, brevemente teremos novidades no Deuxieme quanto à lista dos melhores de 2007, essa tradição que se pretende manter. Em breve.
Alvy SingerEtiquetas: Charlie Wilson's War, Jogos de Poder
4 Comments:
Fui ver o filme na passada sexta-feira e concordo com todas as letrinhas que escreveste.
Fiquei particularmente satisfeita por "este" Tom Hanks me ter feito esquecer o papel anterior. Raisparta o homem que está fenomenal no papel!
As minhas desculpas pela duplicação... mas então cancelaram a cerimónia dos Globos de Ouro? (embora os prémios vão ser entregues na mesma...)Está-se mesmo a ver que este ano não há Óscares para ninguém...
Sim um dos de 2008 definitivamente.
Um daqueles filmes que não deixa nada ao acaso, nem mesmo no que respeita à sua duração (que só agudiza a sensação de "como é fácil entrar numa guerra e como é fácil sair dela", fácil e rápido lá está)!
Acabei de ler que a cerimónia dos Globos de Ouro foi cancelada. Biltres!
Posso dizer que este filme iniciou as melhores 24 horas passadas numa sala de cinema em muito, muito tempo.
Charlie Wilson's War é um filme excelente. Concordo quando diz que não é só o argumento (sagaz) e as interpretações (Hoffman está estupendo e a nomeação ao Oscar de secundária é certa) que são a alma do filme.
Nichols, que realizou um filme memorável e entra directamente para a galeria dos seus mais notáveis, mostra que "A primeira noite" (inultrapassável), "Closer" e, noutro género, "Uma mulher de sucesso" ajudam a esquecer desilusões como "Lobo".
Cá vai a resposta ao teaser: o filme que, 24 horas depois de ver Charlie Wilson's War, me fez apelidar das melhores 24 horas foi: "Eastern Promisses - Promessas proibidas".
Depois de "Uma história de Violência", Cronenberg mostra que está cada vez melhor. E o que dizer de Viggo Mortensen e Mueller-Stahl e Cassel...
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