Deuxieme


sexta-feira, maio 29, 2009

Há sempre uma primeira vez.

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Enquanto estudante, enquanto caloiro do ensino universitário, tive a sorte de me cruzar com um professor deveras peculiar. De faces rosadas, o docente ostentava uma farfalhuda barba ruiva a dar para o esbranquiçada, um ventre magnificente, e, não escassas vezes, recorria ao apoio de suspensórios para acomodar as vestes. A ajudar à festa, estrangeiro. Com aquele sotaque alemão que Herman José popularizou em Casino Royale. Na essência, porque lhe faltava ainda o doutoramento, era mestre. Em abono da verdade, na arte da pedagogia, manuseava a oratória como poucos. O mestre defendia, ao contrário de outros instrutores no ramo da aritmética, que os problemas não passam de uma ilusão. Dizia ele, no alto da sapiência colhida ao longo dos trinta e poucos anos – era um tipo novo –, que o problema resulta da ansiedade que sentimos ao não conseguirmos resolver algo. Nada mais. Algo que não conseguimos entender. Para o qual não encontramos uma explicação. Segundo o mestre, cuja revelação do nome não nos parece pertinente, as coisas não são bem assim. É natural que quando não percepcionamos qualquer solução evidente, tendamos imediatamente a partir para a formulação de um problema. Nesse momento, de duração variável, receamos a ausência de qualquer resposta. É nesse preciso instante que entendemos estar na presença de um enigma. Quer exista solução, quer não. Agora, para este mestre, é simples. Se o problema tem solução, não há razão para me preocupar. Se não tem, para quê preocupar-me? Visto por este prisma, com efeito, a ansiedade desaparece e o imbróglio dissolve-se.

Tudo isto para chegarmos ao surpreendente triunfo de João Salaviza em Cannes, com a curta-metragem Arena. Ao longo dos anos temos vindo a discutir neste espaço, bem como na revista, os trilhos percorridos pelo cinema português, e como tem sido penoso constatar tantos tiros nos pés serem reforçados. Os trabalhos bem sucedidos costumam passar ao lado do grande público, os chamarizes têm por hábito ser obras de cariz duvidoso, a matilha discute subsídios do Estado, e a caravana cinematográfica vai passando a ritmo de passeio. Para a maioria, esta é uma situação calamitosa da qual nada de bom poderá advir. O cinema nacional vive num constantes sobressalto. Um problema sem solução à vista. Ora, para este que se assina, esta condição de Todos Por Um e Cada Um Por Si vivida no cinema português está longe de ser um fim em si mesma. Apesar dos avanços e recuos da indústria nacional, continuamos a ver uma luz ao fundo do túnel. E, não. Não é outro comboio que lá vem. A confiança de que um Oscar de Melhor Filme Estrangeiro cairá para estes lados, nunca esteve em causa. Agora, se vamos cá estar para ver, já não temos tanta certeza. Na sua exposição da Teoria da Evolução das Espécies, Darwin nunca apontou imperfeições aos genes portugueses no capítulo das artes. Acusem-me de mentiroso, ma acredito não existir qualquer razão para sermos incapazes de fazer bons filmes, e os mesmos não serem reconhecidos além-fronteiras. Como outros homo sapiens, todos temos duas mãozinhas, duas perninhas, dois bracinhos, uma cabecinha – o sufixo dá um ar paternalista que tem tanto de presunçoso como entendido na matéria –, e uma paixão que nunca mais acaba pelo Cinema. No fundo, nunca olhámos para o fracasso das obras lusas como um problema. Apenas porque sabemos existir algures uma solução. Pedro Costa já se deparou com ela. Salaviza parece que a encontrou recentemente. Quanto mais não seja por isso, aqui ficam os nossos parabéns. Agora venham mais como estes.

Alvy Singer

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1 Comments:

Anonymous César said...

É sem dúvida um feito remarcável e a assinalar. Nao esperava tal coisa, mas também eu mantenho alguma esperança em que finalmente um dia o cinema português possa ser reconhecido além-fronteiras - no fim de contas sempre pensei que se o rei do kitsh espanhol (suponho que todos tenham associado imediatamente tal designaçao a Almodovar), também um dos nossos o podería fazer (será que um Oscar honorífico para Manoel de Oliveira nao sería merecido?). Por outro lado sempre pensei que "Alice" pudesse ser o 1º a obter pelo menos a nomeaçao a melhor filme estrangeiro, mas, nem esse... Enfim, vamos lá ver...

30 de maio de 2009 às 14:24  

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