Rock e pouco roll.
A noite até tinha começado bem. Ao chegar à bilheteira, um acto falhado que envaideceria o Freud mais pudico. É um para O Barco do Amor, às nove e meia. Farta risota do lado de cá do balcão. Do lado de lá, um sorriso forçado como que a dizer Quantos parvalhões é que ainda vou ter de aturar hoje? Ao entrar na sala, a boa disposição imperava. Praticamente vazia, num sábado soalheiro de Verão. Cinco ou seis casais dispostos nos lugares centrais das filas mais recuadas – saúde-se a distribuição inteligente –, e um cinéfilo meio perdido lá para o meio. Para destoar, como convém.
O filme começa e, quase sem darmos por ela, estamos em mar alto. Richard Curtis serve-se de uma introdução legendada para contextualizar o espectador, e atira-nos de imediato para o barco da rádio rock. Daí para a frente, são mais de duas horas de rock’n roll puro, e um atafulhar de ideias que Curtis podia ter desbastado mais ajuizadamente – pode ser que os Estados Unidos tenham melhor sorte pois, ao que parece, o filme será editado novamente antes de estrear do outro lado do oceano. No centro da trama, um jovem de seu nome Carl (Tom Sturridge), a viver aquilo que poderá ser definido como moratória psicossocial. À procura do seu lugar no mundo, sem uma figura paternal, Carl é enviado pela sua mãe para o barco onde o padrinho (Bill Nighy) dirige uma das muitas rádios piratas britânicas que emite através do éter o rock impuro mas saboroso, que o ouvinte tanto reclama. O governo não acha muita piada, e o hitleriano Sir Alistair Dormandy, magistralmente interpretado por Kenneth Branagh, não descansa enquanto não afundar todos os barcos que naveguem nas águas frias do norte com esse objectivo, sobretudo o da rádio rock.
As peripécias são mais que muitas. O que não seria um problema por aí além, se algumas delas não estivessem tão desalinhadas. Os episódios como que se vão amontoando, e alguns assuntos são deixados em stand-by mais tempo do que deviam. A correria de Carl para a maturidade sofre alguns contratempos, um deles bem pesado, e, como praticamente para todos os outro problemas a bordo, a solução milagrosa parece caída do céu sem grande explicação. No fundo, dá-nos a sensação que Curtis se deixou embriagar pelo espírito cool e ‘tá-se bem que tanto quis apregoar no seu guião, que o filme acabou por levar por tabela. Se os seus anteriores trabalhos conseguiam ser ligeiros mais coesos, The Boat That Rocked é ligeiro e maioritariamente desgrenhado – no final do filme, a pergunta que se impõe é, Então, e onde param os técnicos e os engenheiros? A música que percorre a obra mascara algumas das limitações, mas não encobre tudo. Especialmente, a pobre concepção do sexo feminino. Ou Curtis estava mesmo a dormir quando escreveu partes do argumento, ou existem ali recalcamentos gravíssimos que orgulhariam o Freud menos pudico. Se há por aí alguém que acha que a escrita em Knocked Up e The Hangover não favorece as mulheres, então que veja este filme. Ao pé deste, os de Apatow e Todd Phillips parecem ter sido redigidos por Vénus. Posto isto, The Boat That Rocked não é mau. Também não é bom. É uma espécie de bife meio passado, quando o que tínhamos pedido era um mal passado. Come-se, mas queria-se mais ensaguentado. Os States é que estão bem. Pediram bem passado e o bife ainda volta à grelha.
Bruno Ramos
Etiquetas: Knocked Up, Richard Curtis, The Boat That Rocked, The Hangover
2 Comments:
Eu fui ver no Alegro, em Alfragide, e só estavam presentes mais duas pessoas para além do meu grupo, e isto no dia da estreia. Faz-me uma certa confusão...
Eu gostei do filme. O argumento não é o melhor, mas transmite boa disposição, tem um bom elenco e uma banda sonora quase perfeita (ainda não ultrapassei a ausência de músicas dos Beatles).
Não é mau, podia ser tudo contado em menos tempo.
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