Deuxieme


sexta-feira, julho 25, 2008

Estreias da Semana

O CAVALEIRO DAS TREVAS

A segunda aventura de Batman, novamente concebida pelo olhar de Christopher Nolan, é um objecto que rebenta – literalmente – com todas as ideias e barreiras de conceito da personagem, do seu universo e da adaptação cinematográfica de BD. “O Cavaleiro das Trevas” encaixa na perfeição, sem perder tempo com apresentações, no encadeamento de “Batman – O Início”, (um dos filmes maiores de 2005, munido de fazer um reset ao passado do herói, alimentado anteriormente pelo delicioso expressionismo gótico de Tim Burton e pelos duvidosos circos de néon de Joel Schumacher) e consegue a soberba proeza de ultrapassar todas as qualidades do capítulo anterior, resultando numa magnífica sequela, em tudo superior.

Estamos, garantidamente, perante “a encenação cinematográfica definitiva do Homem-Morcego”, como Jorge Mourinha escreve hoje no Público. De facto, “O Cavaleiro das Trevas” é um novo passo no mundo de Batman e do cinema dos super-heróis, onde tudo gira em Gotham City, uma metrópole com identidade própria, que surge como pano de fundo da acção, e que é tomada de assalto pela personificação do mal absoluto, tornando-se num palco de luta entre o bem e o mal (parecenças com Heat não surgem à toa e são justamente bem empregues), onde o medo e o caos iniciam a sua proliferação pelas mentes e corpos dos cidadãos, que discutem os termos de justiça entre si mesmos e não com as autoridades, que questionam continuamente.



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Existem dois vértices vitais na composição d’ “O Cavaleiro das Trevas”. O primeiro manifesta-se claramente – e num grau de importância superior – nos seus criadores, a dupla dos irmãos Nolan. Jonathan e Chris escreveram o guião, no curto espaço de um ano, com uma noção de dramaturgia e tragédia acima do normal, e que se exprime em dois importantes pontos: o facto de terem composto esses elementos em personagens oriundas da BD, ao mesmo nível com que exploram tudo isso numa base real, num subtil tom pós 11 de Setembro e que pinta soberbamente a realidade em que vivemos e onde as personagens dos comics também mostram ter lugar. Para além da força estrutural do guião, é de salientar a sóbria, mas imponente, realização de Chris, onde o mais curioso ponto de análise surge numa mudança de estilo face ao capítulo anterior (uma mise-en-scène mais clara e elaborada, um ritmo mais pausado e planos verdadeiramente saídos de vinhetas da BD) e no uso da cor (o castanho ferrugento d’ O Início é aqui substituído por um azul hipnótico, e a grandiosidade da acção e a visão caótica e violenta do espaço urbano remete-nos para o melhor de Michael Mann).



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O segundo vértice deste capítulo estende-se ao brilhante trio de personagens principal. Batman é-nos trazido uma vez mais por Christian Bale, que veste e acompanha, com naturalidade e segurança, a maturidade da pele do Homem-Morcego, e que vive aqui dias de amargura e um teste à sua força interior, nunca antes explorado. O seu sentido de justiça e motivação incorruptível mantém-se a todo o custo, mas isso e a obsessão por uma vida normal vão levar consigo um preço muito elevado. Na mesma estrada, encontramos do lado oposto o maior vilão de sempre: Joker, interpretado pelo falecido Heath Ledger. Sem exageros, confirma-se que Ledger é verdadeiramente assombroso, genial, abismal; falamos de uma das maiores composições de uma personagem dos últimos 25 anos (ao nível de um Hannibal Lecter), ele é o rosto maior do caos e da anarquia, e também é, sem dúvida, a maior encarnação de Joker do grande ecrã (sem menosprezo pelo fabuloso Jack Nicholson), que testa constantemente a identidade e sanidade de Batman. Para além do brilhante trabalho do actor, é formidável a forma como ele nos surge e como se mostra; cada origem das suas cicatrizes remete-nos para um passado turbulento e sombrio (curiosamente relativo a comics tão conhecidas como o caso de Piada Mortal, na história da esposa), que funciona perfeitamente para concebermos a deturpada existência do personagem, sem que seja necessário mostrar flashbacks ou utilizar outros meios e quebrar a soberba narrativa, o que nos mostra o Joker como “pleno e absoluto”, pelas próprias palavras de Chris Nolan (Sam Raimi que olhe bem para este exemplo no futuro). Por fim, Harvey “Duas Caras” Dent, surpreendentemente interpretado por Aaron Eckhart, é uma personagem de enorme força ao longo de todo o filme. Falamos de si num registo de tragédia grega, onde a sua perda, sofrimento e transformação valem a Eckhart um dos seus melhores momentos no cinema até hoje. O final dúbio da sua existência não deixa de valorizar o seu lugar numa cidade corrupta e refém do mal, onde o sacrifício se apodera dos inocentes e dos mais bravos.



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Ao olharmos para este leque de mentes atormentadas, verificamos que estas 3 peças vivem interligadas entre si, de uma forma indissociável; se olharmos perto, Batman e Joker são duas faces da mesma moeda – uma infância traumática e abusiva – que se verifica uma linha ténue sobre a fronteira entre o bem e o mal, culpada pelo nascimento de Harvey “Duas Caras” Dent (seja pela malvadez aliciante de Joker como pela inacção de Batman); ao mesmo tempo temos a proeminente questão do nosso herói se debater ferozmente com as “duas caras” da sua própria existência, ao questionar (em conjunto com a cidade que o viu nascer) a sua missão de justiceiro, em simultâneo com o seu lugar de homem que nela quer viver – todos estes dilemas e mistérios, ainda que irónicos, são tudo menos inocentes, e resultam de uma forma absolutamente notável e eficaz, e que pedem ao filme uma segunda ou terceira revisitação, que se torna mais rica.

São inúmeros os momentos fenomenais deste filme, mas entre eles destacam-se o interrogatório a Joker, a conversa de Joker com Harvey no Hospital e ainda o encontro final entre Batman e Joker. Além disso, Hans Zimmer e James Newton Howard compõem uma banda sonora de enorme peso (o tema do Joker é assustador), Nolan filma como poucos, o elenco é todo ele fabuloso (ainda que a beleza e inocência de Katie Holmes não seja igualada por Maggie Gyllenhall, que é, apesar disso, muito competente), o argumento é negro, sólido e complexo e os fardos a carregar são cada vez mais pesados, numa Gotham que está a saque. A maior graça é que tudo isto está a ser “vendido” às massas como um blockbuster mainstream, mas na verdade é tudo, mas mesmo tudo, menos isso.


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Em suma, para além de um verdadeiro épico mascarado de rostos grotescos e almas feridas (onde os géneros noir, policial e thriller se misturam avidamente), Christopher Nolan vai mais longe ao elevar a missão de Batman a um julgamento – até que ponto pode coexistir a justiça institucionalizada com a pessoal, e o que o separa do Joker além dos motivos – e dá-nos um enorme tratado sobre a vingança e as noções de perdão e sacrifício, tão sombriamente encaradas ao longo de duas horas e meia de grande cinema, onde a força da BD se mistura com a problemática realidade do terrorismo global, e que culmina num negro e poderoso final. Uma obra-prima.



Francisco Toscano Silva

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8 Comments:

Blogger alive said...

Olá!
Fui ver ontem este filme e.... é mesmo muito bom.
Um excelente elenco com uma bela realização.
E claro, é impossível estar a ver o filme sem pensar em Ledger. Felizmente ficamos com a recordação dele num grande papel.

27 de julho de 2008 às 23:43  
Blogger Unknown said...

Concordo a 100% com tudo o que escreveu. Ledger construiu uma personagem inesquecível...

Sou visitante compulsiva deste blog, no entanto é a primeira vez que o comento... PARABÉNS gosto mesmo muito

28 de julho de 2008 às 15:20  
Anonymous Anónimo said...

Que filme fascinante! Chega a ser difícil descreve-lo e ser justo com as palavras...
Correm rumores de um terceiro filme da série, desta vez com a Catwoman, será verdade? Ainda que seja, Nolan terá um sério trabalho para pelo menos conseguir igualar este...
Saudaçoes a todos!

29 de julho de 2008 às 21:05  
Blogger Renato A. said...

Fui ontem ver o filme e ainda não recuperei. Estava á espera de um bom filme, mas "The Dark Knight" ultrapassou as minhas expectativas.
Concordo totalmente quando diz que estão a tentar "vender" o filme como o típico blockbuster de verão quando é precisamente o contrário: um filme adulto, cativante e imprevisível, que não deverá cativar os menos preparados.
A comparação com Heat é evidente, quer seja na temática da cidade dividida entre duas forças, quer pela fotografia como pelo ambiente.

Porém hoje li, que no próximo filme da saga a personagem da catwoman poderá ser "repescada", e nada mais nada menos para a encarnar que Angelina Jolie...A ver vamos se são boatos, mas o que quer que venha por aí será melhor que esse desperdício de película que se chama Catwoman...

31 de julho de 2008 às 16:38  
Blogger ArmPauloFerreira said...

Saudações Deuxieme!

Ora bem, depois de saboreado este filme maravilhoso, meti mãos ao serviço e fiz a minha review.
Atenção que o artigo é extenso e teve de ser divido em dois...

Batman "The Dark Knight", a review -parte 1



Batman "The Dark Knight", a review -parte 2


A minha abordagem tenta contextualizar Batman completamente.
Apareça (apareçam todos também) e comentem...

31 de julho de 2008 às 16:47  
Anonymous Anónimo said...

excelente!!!

5 de agosto de 2008 às 00:51  
Blogger Pedro Pereira 77 said...

Adorei o filme, e subscrevo na totalidade as palavras aqui escritas...
Keep up the good work ;)

5 de agosto de 2008 às 17:16  
Blogger Raquel Santos Silva said...

Fantástico! Escrevi uma espécie de crónica em http://www.cronicasparamaistarderecordar.blogspot.com/
Surpreende, fascina.

10 de setembro de 2008 às 20:05  

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