Deuxieme


sábado, março 15, 2008

25 - O Assassino (John Woo, 1989).

Cada aula de código versa sobre um tema. Mal seria se tivéssemos de nos deslocar duas vezes à escola de condução para ouvir a utilidade dos sinais luminosos. Basta uma lição sobre isso e assunto arrumado. Ora, isto que temos tentado fazer no Deuxieme partiu de uma comparação com essa situação, logo, não podemos cair no erro de falar duas vezes no mesmo tipo de filme. Gostava de pensar que esta Carta pode levar alguém desse lado a ver determinada obra. Que isto fosse o ponto de partida para algumas descobertas, e, se possível, que estas fossem marcantes. Claro que isto é tão mais provável quanto menos conhecidos forem os filmes de que falamos. Agora, isto de arranjar trinta filmes tão diferentes a esse ponto, pode tornar-se num problema. Convenhamos, o conhecimento não ocupa lugar, apenas porque o lugar onde ele cabe é sempre maior. Neste caso, estamos a falar de um autêntico armazém.

Ao sexto filme, começam a surgir alguns receios de não estar à altura do desafio. Sobretudo, porque sinto não ser o médico de clínica geral que pensava. Se isto fosse medicina, o ideal era ser especialista em clínica geral, isto é, saber um pouco de tudo, e poder falar à vontade sobre qualquer área. O pior é que nem sequer posso dizer que sou especializado em dermatologia (entenda-se, cinema asiático), ou gastrenterologia (vulgo, cinema xunga). Continuo a sentir-me um Dr. Carter naqueles anos de internato no Serviço de Urgência – anda tudo muito depressa e a câmara sempre num reboliço. Uma conclusão a que já cheguei há bastante tempo é a de que dificilmente teremos oportunidade de ver todos os filmes que queremos, no espaço de uma vida. Ou temos uma força interior do camandro, ou a sorte de nos cruzarmos com eles. Porque, isto da cinéfilia, não passa de uma pós-graduação na qual somos professores e alunos. Temos é de ver se não falhamos as aulas certas.

E, sobre este sexto filme, reconheço que haverá por aí gente muito mais qualificada para opinar, do que um apaixonado por dramas de Capra e comédias de Wilder. Por mais ecléticos que sejamos, há certos aspectos em O Assassino (John Woo, 1989) que só conseguem ser dilacerados por um verdadeiro connaisseur do cinema de Hong Kong. Daqueles que vão ao início dos tempos, e conseguem justificar de olhos fechados e de trás para a frente porque razão este filme é o pai deles todos. É claro que poderíamos chegar aqui com frases categóricas como O Assassino é o Heat do cinema asiático, mas melhor, no entanto, nada substituirá o visionamento integral desta obra. Ainda assim, para um leigo no cinema de Hong Kong, não podemos deixar de nos encantar com o drama nuclear neste filme de acção, sobre um matador a soldo, honrado e movido por uma nobre causa (Chow Yun-Fat), e o polícia impiedoso, capaz de o perseguir até aos confins do mundo (Danny Lee). Violência é coisa que abunda para estes lados – quem se deu ao trabalho de quantificar o genocídio, diz que este filme tem mais cadáveres do que Assalto Ao Arranha-Céus e Desafio Total juntos. No entanto, o espírito benévolo subjacente das personagens confere ao filme toda uma graciosidade inesperada. O humanismo de Woo, por demais evidente na comoção da cena final, terá sido o toque de Midas para transformar este filme na melhor metáfora cinematográfica do clássico de John Lennon, Imagine. De O Assassino terei sempre presente o harmonioso som das cápsulas das balas a cair no chão, como se de pássaros a chilrear pela manhã se tratassem.

Alvy Singer

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2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Caro Alvy,
Em relação à referência ao meu espaço deixa-me que te diga que não sou, de todo, «especialista» em cinema asiático (ou em qualquer «cinema»)... Pegando no caso do post posso dizer-te que o cinema de Hong Kong é uma área sobre a qual conheço muito pouco. Tenho dado prioridade à descoberta do de Taiwan, por exemplo. E, nos últimos tempos, a alguns clássicos do cinema chinês.

Tirando isso, acho curoso veres a cinefilia como algo tão «académico», passe a expressão. Compreendo a necessidade de ter as «aulas básicas» mas acho que, acima de tudo, é muito mais uma questão do foro emocional do que do apenas racional. Se há sempre uma necessidade de «ver tudo», mesmo sabendo que é impossível, também há, a partir de uma certa altura, uma selecção. Um voltar inevitável a muitos filmes, um abdicar de outros, uma procura de autores que nos marcaram ou intrigaram...

16 de março de 2008 às 00:44  
Blogger Alvy Singer said...

Olá H.,
Ao ter falado sobre um filme do cinema de Hong Kong, pareceu-me correcto ser honesto e dizer que este era um tema no qual não me sentia particularmente à vontade. A analogia com a Medicina, e as diferentes especializações, veio por derivação. Não era minha intenção colocar um peso desnecessário nos ombros. No entanto, pareceu-me que conseguiria exemplificar o que pretendia transmitir, ao dizer que a autora de O véu pintado, para além do muito que sabe sobre cinema em geral, compreende bastante bem o cinema asiático. Deste lado do ecrã, pelo menos, tem sido essa a ideia criada ao longo dos meses. E, não gostaria de pensar que estou errado. Isso significaria que sei ainda menos do que imagino.
Em relação à visão académica da cinéfilia, não poderia estar mais de acordo. Apesar de cada filme ser uma lição, o que importa é sermos capazes de retirar o que dali interessa. Se o filme fosse um livro, que rasgássemos as páginas que não queríamos. Se a sala de aula fosse a sala de cinema, que nos puséssemos em cima das cadeiras. Quando penso nesta Carta, penso no Professor John Keating a leccioná-la.

16 de março de 2008 às 01:20  

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