O programador cinematográfico Marco Müller, actual director da Mostra de Veneza, apresentou ontem a 65ª edição que terá lugar de 27 de Agosto a 6 de Setembro próximos. A Mostra abrirá com a projecção em antestreia mundial de Burn After Reading de Joel e Ethan Coen, fora de concurso com George Clooney, Brad Pitt, Frances McDormand, John Malkovich, Tilda Swinton, estrelas que, entre outras, vão estar no Palácio do Festival, no Lido de Veneza. Este ano um júri oficial muito sui generis, presidido pelo Wim Wenders (e constituido por Juriy Arabov, Valeria Golino, Douglas Gordon, John Landis, Lucrecia Martel e Johnnie To), vai ter mais uma vez que decidir a quem vai entregar o Leão de Ouro, e os outros prémios do certame, a uma selecção de peso onde marcam presença grandes realizadores da cinematografia mundial, muitas revelações a ter em conta e ainda duas animações japonesas a concurso: Darren Aronofsky (The Wrestler), Pupi Avati (Il papà di Giovanna), Marco Bechis (BirdWatchers), Pierre Trividic (L’Autre), Kathryn Bigelow (Hurt Locker), Pappi Corsicato (Il seme della discordia), Haile Gerima (Teza), Aleksey German Jr. (Bumažnyj soldat/Paper Soldier), Semih Kaplanoglu (Süt), Takeshi Kitano (Akires to kame/Achilles and the Tortoise), Hayao Miyazaki (Gake no ue no Ponyo/Ponyo on Cliff by the Sea) (animação), Amir Naderi (Vegas: Based on a True Story), Mamoru Oshii (The Sky Crawlers) (animação), Ferzan Özpetek (Un giorno perfetto), Christian Petzold (Jerichow), Barbet Schroeder (Inju, la Bête dans l’ombre), Tariq Teguia (Gabbla/Inland), YU Lik-wai (Dangkou/Plastic City). Portugal vai estar mais uma vez simbolicamente representado com a curta-metragem Do Visível ao Invisível, de Manoel de Oliveira, no ano das comemorações do seu centenário. Na competição vão estar Nuit de Chien, de Werner Schroeter, o filme baseado no romance do escritor uruguaio Juan Carlos Onetti, produzido por Paulo Branco, e Joaquim de Almeida protagonizando The Burning Plain, o filme de estreia como realizador do oscarizado argumentista Guillermo Arriaga (Babel). Destaque ainda para um surpreendente regresso de Debra Winger, umas das grandes e jovens actrizes da década de 80 que deixou boas memórias em Rachel Getting Married, do veterano Jonathan Demme. Recorde-se que a Mostra de Veneza é o festival de cinema europeu que melhor tem conciliado — pelo menos desde a direcção de Müller, que viu renovado o seu mandato por mais quatro anos — a arte com a indústria cinematográfica mundial. A prova disso é que na edição de 2007 foram apresentados cerca de 22 filmes que estiveram posteriormente nas nomeações para os Oscars de Hollywood.
A segunda aventura de Batman, novamente concebida pelo olhar de Christopher Nolan, é um objecto que rebenta – literalmente – com todas as ideias e barreiras de conceito da personagem, do seu universo e da adaptação cinematográfica de BD. “O Cavaleiro das Trevas” encaixa na perfeição, sem perder tempo com apresentações, no encadeamento de “Batman – O Início”, (um dos filmes maiores de 2005, munido de fazer um reset ao passado do herói, alimentado anteriormente pelo delicioso expressionismo gótico de Tim Burton e pelos duvidosos circos de néon de Joel Schumacher) e consegue a soberba proeza de ultrapassar todas as qualidades do capítulo anterior, resultando numa magnífica sequela, em tudo superior.
Estamos, garantidamente, perante “a encenação cinematográfica definitiva do Homem-Morcego”, como Jorge Mourinha escreve hoje no Público. De facto, “O Cavaleiro das Trevas” é um novo passo no mundo de Batman e do cinema dos super-heróis, onde tudo gira em Gotham City, uma metrópole com identidade própria, que surge como pano de fundo da acção, e que é tomada de assalto pela personificação do mal absoluto, tornando-se num palco de luta entre o bem e o mal (parecenças com Heat não surgem à toa e são justamente bem empregues), onde o medo e o caos iniciam a sua proliferação pelas mentes e corpos dos cidadãos, que discutem os termos de justiça entre si mesmos e não com as autoridades, que questionam continuamente.
Existem dois vértices vitais na composição d’ “O Cavaleiro das Trevas”. O primeiro manifesta-se claramente – e num grau de importância superior – nos seus criadores, a dupla dos irmãos Nolan. Jonathan e Chris escreveram o guião, no curto espaço de um ano, com uma noção de dramaturgia e tragédia acima do normal, e que se exprime em dois importantes pontos: o facto de terem composto esses elementos em personagens oriundas da BD, ao mesmo nível com que exploram tudo isso numa base real, num subtil tom pós 11 de Setembro e que pinta soberbamente a realidade em que vivemos e onde as personagens dos comics também mostram ter lugar. Para além da força estrutural do guião, é de salientar a sóbria, mas imponente, realização de Chris, onde o mais curioso ponto de análise surge numa mudança de estilo face ao capítulo anterior (uma mise-en-scène mais clara e elaborada, um ritmo mais pausado e planos verdadeiramente saídos de vinhetas da BD) e no uso da cor (o castanho ferrugento d’ O Início é aqui substituído por um azul hipnótico, e a grandiosidade da acção e a visão caótica e violenta do espaço urbano remete-nos para o melhor de Michael Mann).
O segundo vértice deste capítulo estende-se ao brilhante trio de personagens principal. Batman é-nos trazido uma vez mais por Christian Bale, que veste e acompanha, com naturalidade e segurança, a maturidade da pele do Homem-Morcego, e que vive aqui dias de amargura e um teste à sua força interior, nunca antes explorado. O seu sentido de justiça e motivação incorruptível mantém-se a todo o custo, mas isso e a obsessão por uma vida normal vão levar consigo um preço muito elevado. Na mesma estrada, encontramos do lado oposto o maior vilão de sempre: Joker, interpretado pelo falecido Heath Ledger. Sem exageros, confirma-se que Ledger é verdadeiramente assombroso, genial, abismal; falamos de uma das maiores composições de uma personagem dos últimos 25 anos (ao nível de um Hannibal Lecter), ele é o rosto maior do caos e da anarquia, e também é, sem dúvida, a maior encarnação de Joker do grande ecrã (sem menosprezo pelo fabuloso Jack Nicholson), que testa constantemente a identidade e sanidade de Batman. Para além do brilhante trabalho do actor, é formidável a forma como ele nos surge e como se mostra; cada origem das suas cicatrizes remete-nos para um passado turbulento e sombrio (curiosamente relativo a comics tão conhecidas como o caso de Piada Mortal, na história da esposa), que funciona perfeitamente para concebermos a deturpada existência do personagem, sem que seja necessário mostrar flashbacks ou utilizar outros meios e quebrar a soberba narrativa, o que nos mostra o Joker como “pleno e absoluto”, pelas próprias palavras de Chris Nolan (Sam Raimi que olhe bem para este exemplo no futuro). Por fim, Harvey “Duas Caras” Dent, surpreendentemente interpretado por Aaron Eckhart, é uma personagem de enorme força ao longo de todo o filme. Falamos de si num registo de tragédia grega, onde a sua perda, sofrimento e transformação valem a Eckhart um dos seus melhores momentos no cinema até hoje. O final dúbio da sua existência não deixa de valorizar o seu lugar numa cidade corrupta e refém do mal, onde o sacrifício se apodera dos inocentes e dos mais bravos.
Ao olharmos para este leque de mentes atormentadas, verificamos que estas 3 peças vivem interligadas entre si, de uma forma indissociável; se olharmos perto, Batman e Joker são duas faces da mesma moeda – uma infância traumática e abusiva – que se verifica uma linha ténue sobre a fronteira entre o bem e o mal, culpada pelo nascimento de Harvey “Duas Caras” Dent (seja pela malvadez aliciante de Joker como pela inacção de Batman); ao mesmo tempo temos a proeminente questão do nosso herói se debater ferozmente com as “duas caras” da sua própria existência, ao questionar (em conjunto com a cidade que o viu nascer) a sua missão de justiceiro, em simultâneo com o seu lugar de homem que nela quer viver – todos estes dilemas e mistérios, ainda que irónicos, são tudo menos inocentes, e resultam de uma forma absolutamente notável e eficaz, e que pedem ao filme uma segunda ou terceira revisitação, que se torna mais rica.
São inúmeros os momentos fenomenais deste filme, mas entre eles destacam-se o interrogatório a Joker, a conversa de Joker com Harvey no Hospital e ainda o encontro final entre Batman e Joker. Além disso, Hans Zimmer e James Newton Howard compõem uma banda sonora de enorme peso (o tema do Joker é assustador), Nolan filma como poucos, o elenco é todo ele fabuloso (ainda que a beleza e inocência de Katie Holmes não seja igualada por Maggie Gyllenhall, que é, apesar disso, muito competente), o argumento é negro, sólido e complexo e os fardos a carregar são cada vez mais pesados, numa Gotham que está a saque. A maior graça é que tudo isto está a ser “vendido” às massas como um blockbuster mainstream, mas na verdade é tudo, mas mesmo tudo, menos isso.
Em suma, para além de um verdadeiro épico mascarado de rostos grotescos e almas feridas (onde os géneros noir, policial e thriller se misturam avidamente), Christopher Nolan vai mais longe ao elevar a missão de Batman a um julgamento – até que ponto pode coexistir a justiça institucionalizada com a pessoal, e o que o separa do Joker além dos motivos – e dá-nos um enorme tratado sobre a vingança e as noções de perdão e sacrifício, tão sombriamente encaradas ao longo de duas horas e meia de grande cinema, onde a força da BD se mistura com a problemática realidade do terrorismo global, e que culmina num negro e poderoso final. Uma obra-prima.
Aqui está o trailer do novíssimo filme de Ridley Scott. Body of Lies (entre nós é certo o título O Corpo da Mentira) fala-nos de um jornalista ferido no Iraque que é secretamente contratado pela CIA para localizar um importante líder da Al Qaeda, e como é de se esperar, nem tudo corre às mil maravilhas. Baseado no romance com o mesmo nome, do autor David Ignatius, O Corpo da Mentira sugere algo entre Cercados vs Jogo de Espiões. A mal ou a bem, tudo isso tem qualidade à vista e está entregue aos irmãos Scott. Vamos aguardar até ao final do ano (estreia nos EUA em Outubro). Entretanto aqui ficam as primeiras impressões...
Eis um novo trailer para o mais recente filme de Spike Lee. Após a promoção no último Festival de Cannes, Miracle at St. Anna faz adivinhar uma obra sólida, a julgar pelo seu magnífico trailer. No entanto, tudo isto pode ser posto em causa, se pensarmos que se trata de uma mera resposta a Clint Eastwood e ao seu diptíco As Bandeiras dos Nossos Pais / Cartas de Iwo Jima (para vos relembrar, ver aqui a discussão entre ambos); se uma obra vale por si só ou se faz parte de uma birra sobre aulas de história é algo que contamos ainda este ano descobrir (a sua estreia nos EUA é em Setembro, e esperemos que chegue a terras lusas pouco tempo depois). Para já, deixo-vos o trailer e a esperança de que esta revisitação da Segunda Guerra Mundial seja um novo e interessante olhar, e não uma nova visão dos valores da história. Se houver desafio a Eastwood, ao menos que seja artístico - que é sempre bem-vindo - e não factual.
O mundos dos comics está a ganhar cada vez mais força na Sétima Arte, seja pelas adaptações que já nos chegaram como ainda pelas novas incursões que se avizinham e que têm um óptimo aspecto. Neste caso concreto, pela mão de Zack Snyder (300), chega-nos mais um salto da BD para o grande ecrã. Desta vez, falamos deWatchmen, um comic criado por Allan Moore e Dave Gibbons, lançado como mini-série na década de oitenta, que revolucionou a visão sobre os Super-Heróis ao fornecer-lhes um punhado de características psicológicas nunca antes vistas, conferindo-lhes um peso dramático e existencial inovador (mais informações ver aqui). Aqui vos deixo o teaser trailer para aguçar o apetite, enquanto esperamos por 2009.
A contar os dias que faltam para um dos grandes acontecimentos cinematográficos deste ano, aqui vos deixo duas pequenas prendas vindas directamente das trevas: em primeiro lugar temos um documentário feito pela HBO que nos traz um verdadeiro making of (já presente em parte no passado festival Optimus Alive! 08, onde uma enorme tenda promocional em forma de máscara do Batman acolhia, no seu interior com pufs simpáticos, à descoberta de novas imagens do filme para os mais curiosos), que somente encontro dividido em duas partes; em segundo lugar, temos um vídeo recheado de entrevistas aos actores e ao realizador, feitas por um crítico do site MovieWeb. Em qualquer um dos casos, a expectativa sobe a alturas desmedidas. Quem já viu fala de algo magistral. Falta pouco...
Por esta não se esperava, mas o homem do momento parece reinventar constantemente a sua carreira, e depois do fabuloso Homem de Ferro, Robert Downey Jr. volta a encarnar mais uma figura de peso, que desta vez nos leva a algo mais romântico e sedutor. Segundo o MovieWeb, Downey Jr. será o próximo Sherlock Holmes, num registo que irá alargar os horizontes à personagem para os ramos da acção e aventura (com base em Conan Doyle e ainda na banda desenhada de Lionel Wigram, um dos argumentistas deste filme e produtor de cinema). A realização ficará a cargo de Guy Ritchie, e a estreia espera-se em 2010.
A cena: Horas antes da decisiva batalha de Alamo, David Crockett (Billy Bob Thornton) decide acompanhar a marcha tocada pelos inimigos mexicanos, através de um contraponto improvisado ao violino.
A música: Da autoria do compositor Carter Burwell (o eterno colaborador musical dos irmãos Coen) e baseada na canção tradicional "Deguello", este exemplo de música diegética (a qual é ouvida simultaneamente pelos actores e pelo espectador) é o melhor momento desta bela obra cinematográfica, injustamente esquecida. A música funcionando como elemento provisório de pacificação e unificação.