Quase, Austrália. Quase.

A condição mais importante em Austrália, a priori, é o termos sido confrontados previamente com um qualquer trabalho de Baz Luhrmann. Não importará muito o antecedente. Desde que tenha ficado bem vincada a indelével marca do realizador. A fusão de géneros promovida pelo cineasta leva a que o espectador possa entrar na sala com a convicção de que vai assistir a um qualquer espectáculo, mas que não é bem Cinema. Pelo menos, não apenas. Ora, o tiro sai pela culatra, quando aquilo que Luhrmann nos oferece é simplesmente um filme. Bom, que o é, mas que não passa disso. Uma película. Isto porque já ninguém espera essa afronta do australiano. Filmes fazem os outros. Luhrmann inventa. Não será bem assim.
Mais importante do que termos visto A Rainha Africana (John Huston, 1951), África Minha (Sydney Pollack, 1985), ou E Tudo o Vento Levou (Victor Fleming, 1939) – que também devemos ver –, aquilo que determina grande parte do regozijo, ou falta dele, quando Austrália chega ao fim, é a medida em que nos lembramos das sequências irreverentes de Romeu + Julieta, ou das estonteantes cantorias de Moulin Rouge!. Quase como se levássemos uma tabela e uma caneta, para apontar durante o filme aquilo que é Luhrmann, e aquilo que não é. No final, a soma dos pontos dir-nos-á que a obra respira pouco da inspiração doutros tempos, e temos pouco Luhrmann, para muito épico. A grande dúvida que se coloca é onde começa um género, e acaba o dedo do realizador. A fronteira nunca está bem definida, e cabe a quem ousa desafiá-la, deixar-se ficar ou ultrapassá-la. E, Luhrmann já mostrou ter calibre para feitos dessa estirpe. Aqui, ficamos com a convicção de que, simplesmente, não lhe apeteceu. A homenagem ao continente australiano, mais do que aos filmes de outra era, conduziu a uma consciência solene, que atravessa todo o filme, e que retira a genialidade comprovada em outros trabalhos.
O argumento, escrito a oito mãos, é um dos principais culpados. Três horas dão para abraçar uma série de assuntos. E, Luhrmann não se fez rogado. Agora, com a lógica dedutiva a funcionar, infelizmente verificamos que muitos temas são abordados com demasiada celeridade. Ainda assim, o principal é tratado cuidadosamente. Nem sempre conseguimos aceder aos conflitos internos da Lady Sarah Ashley (Nicole Kidman). Também não acreditamos facilmente na rebeldia espontânea de The Drover (Hugh Jackman). A química entre ambos existe, mas não é daquelas nos leva a querer ligar o ar condicionado. O único com quem a câmara de Luhrmann se sente verdadeiramente à vontade, é o pequeno Nullah (Brandon Walters). Com os restantes é tudo mais esforçado. No entanto, quando o terceiro acto se aproxima do fim, algumas pontas soltas, que pareciam perdidas, encontram abrigo. Chega a ser reconfortante. A identidade do filme chega tarde, e as personagens perdem com isso. No entanto, a viagem está feita. Se Austrália pretende ser um bilhete para um outro lugar e uma outra época, consegue sê-lo. Agora, a que custo? 100 milhões de dólares, mais coisa menos coisa. Sem valor, só mesmo o pequeno Nullah.
Bruno Ramos
Etiquetas: Australia