O estado patológico chega a este ponto. Ao telefone, com uma caneta e uma folha de papel à mão, normalmente, é o nome deste filme que escrevo. Bem vistas as coisas, não é só ao telefone. Basta uma caneta e uma folha de papel. O S sai com naturalidade. E, sempre me pareceu que leepless in Seattle seria a continuidade perfeita para esse mesmo S.
Até este sábado, apenas tinha visto este filme quando passou na televisão, algures nos anos noventa. Tendo em conta que a obra de Nora Ephron é de 1993, nunca poderá ter sido há mais de quinze anos. Mas, muito longe disso não andará. Porque carga de água o titulo deste filme é rabiscado a uma média superior à de qualquer outro, é algo que provavelmente jamais perceberei, no entanto, quis o director de programas da RTP, que decidiu vestir a pele de destino, que este fim-de-semana voltasse a ver esta película, tantos anos depois.
Confesso que chegou a ser uma experiência arrepiante. Antes do filme começar, se alguém perguntasse o quer que fosse, seria obrigado a encolher os ombros. Exceptuando o final, não recordava uma única cena do princípio ao fim. Uma única fala sequer. Contudo, assim que o filme começou, foi como ver um novelo de lã desenrolar-se à minha frente. Creio que, até hoje, este terá sido o segundo visionamento mais intervalado. E, que bela obra para recuperar.
Não estando a falar de um clássico, importa aqui deixar uma palavra de apreço para com este filme extraordinariamente capaz de Nora Ephron. De uma ponta à outra podemos encontrar e apontar elementos que fazem deste título aquilo que habitualmente figura nos livros como chick flick. O plot é do mais caricato que existe: uma mulher, noiva por sinal, apaixona-se, através de um programa de rádio, por um viúvo que vive com o filho do outro lado país. Ela vive em Baltimore, ele em Seattle. A cena em que a vida de Sam (Tom Hanks) é exposta ao telefone pelo próprio filho (Ross Malinger) no programa de rádio da Dr.ª Marcia Fieldstone é do mais improvável que existe. Todavia, o diálogo é credível. Quase de certeza que uma coisa destas nunca aconteceu, no entanto, a acontecer, seria assim. Essa será talvez a grande valia deste filme. Ser capaz de nos levar a acreditar que uma história destas é possível. Mesmo que não seja.
Não sendo do mais arrojado que se fazia na altura, o argumento de Ephron balança de forma equilibrada os momentos de comédia com os mais sérios, nunca caindo em definitivo para um dos lados. No capítulo dos pormenores que tratam de diferenciar um filme categoricamente, neste, essa particularidade é bem notória. Ao longo do filme, as referências que as personagens femininas vão fazendo a O Grande Amor da Minha Vida (Leo McCarey, 1957) ajudam-nos a criar a base que sustenta a verosimilhança desta odisseia amorosa de Annie (Meg Ryan). Curiosa é a forma como Sleepless in Seattle não receia tornar-se no mesmo filme incompreendido pelo sexo masculino. A cena em que Rita Wilson, lavada em lágrimas, explica a adoração por esse filme, e posteriormente Tom Hanks e Victor Garber respondem com a emoção de Os Doze Indomáveis Patifes (Robert Aldrich, 1967), poderia muito bem servir para compreender algumas diferenças entre os sexos.
Porque dia 14 está aí à porta, esta é a sugestão de Alvy Singer. É certo que haverá por aí cinema romântico de maior qualidade, no entanto, no dia em que a imagem de um coração atravessado por uma seta está na mente de todos nós, um título sobre o amor impossível que vemos nos filmes não será certamente uma aposta errada. Até porque a história termina no dia em questão.
Alvy Singer
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