Ficção vs Documentário.
Ontem, numa breve conversa com o Francisco Silva, chefe de redacção da Premiere, que durou apenas alguns minutos, mas chegou para discutir algumas dezenas de filmes, fiquei a saber que o Nuno Antunes, estimado colega que mergulha nos mais profundos meandros de uma película, tinha-se deparado com alguns artigos que criticavam o rigor histórico de Frost/Nixon, de Ron Howard. É, mais ou menos por esta altura, que recomendamos todos aqueles que ainda não viram o filme a abandonar a leitura deste texto. Melhor, aconselhamos, num primeiro momento, ao visionamento da obra, e a regressar posteriormente a este espaço para ler essas mesmas criticas.
Elizabeth Drew, do Huffigton Post, e autora do livro Richard M. Nixon, é a voz mais reprovadora. A jornalista aponta alterações grosseiras ao final das entrevistas, uma omissão ao facto de Nixon ter recebido 20% dos lucros da transmissão, e algo mais subjectivo, mas que pode ser definido como interpretação enganosa. Do seu espinhoso artigo, sublinhe-se esta passagem, que constitui-se como um major spoiler.
“Frost did not in fact "nail" Nixon. The climactic moment of the movie (as in the play) has Nixon confessing to having participated in the cover-up of the famous break-in of the Watergate offices of the Democratic National Committee, in June, 1972 by operatives hired by White House aides. But this "confession" is produced through a blatant distortion of what Nixon actually said in the interviews. At that particular moment, Frost was pressing Nixon to admit that he had more than made "mistakes," that there had in fact been wrongdoing, that crime might have been involved (a rather mild way of putting it). Then, through a sleight of hand, the script simply changes what Nixon actually said: the script of the play has Nixon admitting that he "...was involved in a 'cover-up,' as you call it." The ellipsis is of course unknown to the audience, and is crucial: What Nixon actually said was, "You're wanting to me to say that I participated in an illegal cover-up. No!”
Ora, isto é ligeiramente diferente daquilo que vimos no grande ecrã. David Edelstein, da New York Magazine, também não se coíbe de dizer das suas. E, sem grandes rodeios, acusa o argumento de Peter Morgan de meter palavras na boca de Nixon.
“And with selective editing, Morgan makes it seem as if Frost got Nixon to admit more than he actually did. The original Watergate interview is now on DVD, and there are self-exculpatory escape clauses in every interminable, circumlocutory utterance. When Frost read aloud from the White House transcripts, Nixon’s eyes darted around as he searched his brain for linguistic loopholes. In Frost/Nixon, Langella’s heavy features move slowly; he seems to be plumbing the depths of his soul and glimpsing, for an instant, the abyss. Alas, the shit that dribbles from Langella’s mouth is still Tricky Dick’s”.
Podemos sempre questionar a imparcialidade de Edelstein nesta questão, a partir do momento em que lemos no seu artigo, a propósito de ser Langella a encarnar o Presidente, “Finally, Nixon has the stature that eluded him in life!”. No entanto, factos são factos, passe a redundância. E, se Nixon não chegou a admitir aquilo que David Frost, Bob Zelnick e James Reston Jr. pretendiam, até que ponto isso não altera a integridade do filme. A obra continua a funcionar, sem sombra dúvida. Agora, não podemos deixar de nos sentir ludibriados. Sem querer ferir susceptibilidades, isto faz lembrar, em parte, aquele badalado caso do futebolista brasileiro Ronaldo, quando pagou a umas senhoras para passar um bom bocado e, mais tarde, nessa mesma noite, veio a saber que eram senhores. Não que isso tenha algum problema. Mas, saber com antecedência seria agradável.
Bruno Ramos
Etiquetas: Frank Langella, Frost/Nixon, Michael Sheen, Ron Howard
1 Comments:
Para esclarecer a verdade só mesmo vendo os originais.No youtube encontram-se alguns fragmentos, onde se podem ouvir as partes mais marcantes das entrevistas, como a do presidente estar acima da lei e de lhe terem espetado uma espada no peito. Em relação à confissão, penso que se o filme fosse uma adulteração assim tão grande do caso já se tinha ouvido falar com mais vigor. Todas as biografias levantam vozes que dizem sempre "ah isso não foi bem assim", estas parecem-me ser apenas mais umas.
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