A roda da vida.
Em finais de Fevereiro do ano passado, o Francisco Silva escrevia perspicazmente neste espaço.
“O ponto mais importante centra-se na questão pluralista da arte que é celebrada e homenageada. Cada vez mais as grandes distribuidoras em Hollywood repensam a indústria, e todo o seu conceito do “That’s Entertainment!”, que adquire hoje novas formas criativas, como a noite passada nos demonstrou. Se é certo que o cinema americano ocupa o mais importante papel na sétima arte a nível de espectáculo e “showbizz”, é então certo que todas as escolas e formatos cinematográficos do resto do mundo fazem falta para marcar presença neste grande conceito. Nessa medida, é notório o crescimento plural nas várias áreas do cinema, ou seja é cada vez maior (e mais importante) a influência exterior artística – a nível do visual, da escrita, da representação e outras categorias – dentro do próprio cinema dito “americano clássico”, que se reinventa a cada ano sobre diversas formas (Haverá Sangue, e Este País Não É Para VelhosNo Vale de Elah são os mais recentes exemplos a ter em conta)”.
Ontem, num artigo brilhante do The Observer, Mark Harris afirma.
“The Academy has a new, more global outlook, represented by the 10 nominations given to Danny Boyle’s Slumdog Millionaire. Alternatively, the Academy suddenly has a new, more insularly American outlook, as evidenced by the fact that 17 of the 20 acting nominees are from the US, the most since the early 1990s”.
Ora, não há fome que não dê em fartura, é o que se nos apraz dizer sobre este fenómeno. E, quem acompanha os Oscar há já alguns anos, nem devia revelar surpresa perante este facto. É certo e sabido que a Academia dá uma no cravo com a mesma gentileza que dá uma na ferradura. No ano imediatamente a seguir a ter feito História, premiando quatro actores estrangeiros nas categorias de interpretação, certamente que não poderíamos esperar o mesmo feito. Por melhor que fosse o seu desempenho, este ano, o trabalho do profissional não norte-americano estaria condenado à partida. Condenado, entenda-se, a superar adversidades que os da casa não teriam de enfrentar. Partindo deste princípio, podemos especular até que ponto a ausência da outrora candidata à vitória final, e que se fartou de arrebatar prémios este ano, Sally Hawkins (Happy-Go-Lucky), não se deve a esta vontade cega de galardoar o actor norte-americano em 2008. E, quem diz Hawkins, diz Kristin Scott Thomas (Il y a longtemps que je t’aime), Ralph Fiennes (The Duchess), ou Colin Farrell (In Bruges). Já para não falar na dupla nomeação de Kate Winslett, que pode encontrar aqui uma outra explicação. Bem, quem nos ouvir falar, pensa que somos discípulos do Jerry Fletcher de Mel Gibson, em Conspiracy Theory (Richard Donner, 1997). No entanto, convém não olhar para isto apenas como um conto de fadas, e acreditar que as palavras de George C. Scott tinham algum fundamento, quando o actor rejeitou o Oscar em 1970 por não querer participar num evento que fomenta a competição entre os pares.
Agora, em relação aos três estrangeiros que têm hipótese de ganhar um Oscar na edição deste ano, aquele que parece ter mais hipóteses de ser bem sucedido é Heath Ledger. Praticamente garantido. Por outro lado, se a perseguição ao forasteiro estiver oficialmente aberta, talvez nem The Reader salve Winslet da sexta nomeação sem estatueta. E, Penélope Cruz tem mais probabilidades de regressar a Madrid sem um Oscar na bagagem do que pensa. Contudo, se estes três saírem mesmo do Kodak Theater com uma estatueta, então aí é que para o ano nem vale a pena criar expectativas.
Apesar de não estar relacionada com o rumo que o post acabou por seguir, aqui fica uma passagem do mesmo artigo de Mark Harris, que incita à meditação.
“The “gay mafia” in the Academy, outraged by the passage of the anti-gay marriage amendment Proposition 8 in California, powered the gay-rights drama Milk into the race with eight nominations. However, it will never win, because the Academy is hopelessly homophobic, as we all are presumed to have learned when Brokeback Mountain lost to Crash”.
E, se a história do cravo e da ferradura não trouxer aqui mais uma surpresa?
Bruno Ramos
Etiquetas: Colin Farrell, Kate Winslet, Penelope Cruz, Ralph Fiennes, Sally Hawkins
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